Os homens fazem grandes esforços para respirar, para falar. Com as suas mãos febris inscrevem marcas no barro, nos bastões de madeira rija, nas folhas dos aloés, nas pedras. O mundo porém não quer os seus vestígios. Apaga-os incessantemente, com calma, com eficácia, como se tivesse limpa pára-brisas. E nada guarda: nem os desenhos dos pneus dos camiões, nem os desenhos das calandras dos automóveis, nem os desenhos dos tecidos de nailon. Prisão indiferente e fria, milhares de quilómetros quadrados de desrto, de floresta, de oceano. Nos teclados das máquinas de escrever e dos teleimpressores as palavras avançam, umas atrás das outras, produzindo as suas pequenas detonações. Todos os homens trabalham encarniçadamente, para se exprimirem, para lançarem as suas fórmulas mágicas, para escreverem as suas mensagens de formigas.
Palavras mágicas, desenhos mágicos, eles eram a energia da vida. Lutavam contra o império da submissão, afastavam as franjas de pêlos depredadores. As letras nasciam, logo se escapavam e juntavam-se de novo à floresta. Nas cidades, homens sem rosto, que se pareciam com os demónios, tinham a si atraído as palavras, as músicas e os desenhos, a fim de subjugarem os outros homens. Do alto das suas torres de controlo em duro plástico transparente, olham o caudal dos homens e dos automóveis que escorre nas ranhuras. Sabem tudo. Possuem, para espiar, grandes quantidades de microfones dissimulados, câmaras de filmar, gravadores de som. Estão ali, estão presentes. Estão nas paredes da prisão, decidiram postar-se por detrás das portas, das fechaduras, das frestas que há por todo o lado no ar, na água e sobre a terra. Já não largam aqueles que capturaram nas suas armadilhas de beleza. Quem irá tentar destruí-los? Quem pegará num carvão, num giz, numa faca, numa caruma, em qualquer coisa, a fim de traçar nos objectos os estranhos sinais cabalísticos, as estranhas palavras insignificantes e ternas que libertam? Quem irá pintar o corpo e o rosto, a fim de manter ainda um pouco as paredes da prisão, a fim de impedir o tecto de descer, para que tudo seja inocente, para que toda a gente de novo fale a toda a gente?
(Índio Branco-J.M.G. Le Clézio)
Este, é o único livro que possuo de Le Clézio. Tive o gosto de convosco o partilhar, e de o reler também. Espero ter conseguido mostrar a originalidade e a coragem deste escritor.
Palavras mágicas, desenhos mágicos, eles eram a energia da vida. Lutavam contra o império da submissão, afastavam as franjas de pêlos depredadores. As letras nasciam, logo se escapavam e juntavam-se de novo à floresta. Nas cidades, homens sem rosto, que se pareciam com os demónios, tinham a si atraído as palavras, as músicas e os desenhos, a fim de subjugarem os outros homens. Do alto das suas torres de controlo em duro plástico transparente, olham o caudal dos homens e dos automóveis que escorre nas ranhuras. Sabem tudo. Possuem, para espiar, grandes quantidades de microfones dissimulados, câmaras de filmar, gravadores de som. Estão ali, estão presentes. Estão nas paredes da prisão, decidiram postar-se por detrás das portas, das fechaduras, das frestas que há por todo o lado no ar, na água e sobre a terra. Já não largam aqueles que capturaram nas suas armadilhas de beleza. Quem irá tentar destruí-los? Quem pegará num carvão, num giz, numa faca, numa caruma, em qualquer coisa, a fim de traçar nos objectos os estranhos sinais cabalísticos, as estranhas palavras insignificantes e ternas que libertam? Quem irá pintar o corpo e o rosto, a fim de manter ainda um pouco as paredes da prisão, a fim de impedir o tecto de descer, para que tudo seja inocente, para que toda a gente de novo fale a toda a gente?
(Índio Branco-J.M.G. Le Clézio)
Este, é o único livro que possuo de Le Clézio. Tive o gosto de convosco o partilhar, e de o reler também. Espero ter conseguido mostrar a originalidade e a coragem deste escritor.
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