sábado, outubro 11, 2008

Eis talvez chegado o tempo das cidades novas...

(Cezanne)
Uma das astúcias das cidades reside em fazer-nos querer que elas são eternas. Querem que pensemos que elas são o fim das civilizações naturais, que as explicam. Mas a realidade é bem diferente. São as civilizações primordiais dos Índios que em si contêm esta ciência, são elas que conhecem as explicações. Só que, como não têm paredes nem fechaduras, elas não armam aos homens ciladas, não os vigiam.
Basta de fechaduras! Basta de paredes e de vidros, basta de ordens inaudíveis dadas por meia dúzia de tiranos lá de cima das suas torres de controlo! As muralhas e as portas despedaçam-se bastante facilmente. As cidadelas , as praças fortes e os campos entrincheirados não resistem muito tempo. Explodem por si mesmos, como se de súbito a mão de um arrebatado pesasse na alavanca do detonador. As barreiras da autonomia estão desfeitas. As velhas e sórdidas barreiras da alma, que protegiam o espírito e a linguagem. As propriedades privadas estão violadas; nada tinham a preservar. As cidades não desaparecem; estendem a sua paisagem de ferro e de cimento, cobrem as planícies de aluvião e as colinas. Vão depressa , de uma ponta a outra da terra, traçam os seus desenhos velhos milenários. Já não se trata porém de vilas isoladas, das aldeias das cidades santas e das cidades proibidas. Tombuctu, Meca, Pequim, para que serve isso? Não, eis talvez chegado o tempo das cidades novas, onde a força da vida de novo domina a linguagem, onde os homens de novo encontram experiência terrestre, onde os pensamentos, os desenhos e as palavras já não são solitários, semelhantes a sujos excrementos secos, mas são agora como sinais dos Índios: uma encantação, uma música, uma dança, ás quais cada qual obedece e que cada qual inventa.(cont.)

(Índio Branco- J.M.G Le Clézio- Ed.Fenda)

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