terça-feira, maio 13, 2014

Nono Aniversário : um dia destes vê-mo-nos, tá?

Vieira da Silva- A saída luminosa


Algures, nos idos de 2005, no dia 13 de maio (!!!) houve lugar ao nascimento de mais um pequeno  blog: o " Aguarelas de Turner".
Nasceu da necessidade de usar a expressão estética ( poesia, pintura, literatura, e...fotografia), pedindo emprestadas  palavras aos que as sabem "tocar", para falar dos estados de alma que habitam todo aquele que é Humano.
Foi bonito esse dia. 
Foi assim que fui sentindo o gosto e o gozo de escolher  quase diariamente o poema, o estrato  do romance, a música, o pensamento filosófico...que naquele instante me faziam sentido. Depois era o prazer de ir à cata do pintor, da obra, que davam luz ...ou sombra àquelas palavras. Umas vezes tudo ocorria num instante...Outras, era uma busca incessante até a " ligação" se fazer. Nesse tempo  vinha aqui com gosto, e ainda sem conhecer praticamente ninguém do universo dos blogs, não deixava de desejar "publicar".
Os dias de trabalho sempre foram árduos mas os instantes em que escolhia o que sairia naquele dia eram momentos de puro prazer. Preferia deitar-me um pouco mais tarde, mas fazer o " post do dia".
Aos poucos foram aparecendo " comentadores", uns de passagem, outros que se iam fixando, mesmo sem eu ser muito gentil em retribuições. Tinha muito pouco tempo para saltar de blog em blog e embora soubesse da existência de uma infinidade de "lugares de paragem "aliciantes , inteligentes  e criativos, contentava-me com o visitar, nos  meus melhores tempos, não mais do que uma dúzia deles. Mesmo assim conheci gente bonita e inteligente com quem construí amizade e de quem me tornei amiga, ou por quem nutri ou nutro grande simpatia. Foi um tempo de um certo fascínio, quase adolescentil, onde a interacção quando funcionava, trazia a alegria da descoberta do outro. Claro que houve gente que não deixou marcas. Mas os que as deixaram, foram, à semelhança dos amigos não-virtuais, genericamente muito enriquecedoras. Mas  este tempo foi tempo também de tristeza. De tristeza e de dor. Dois dos Amigos com que contactei mais proximamente partiram, precocemente. Acompanhei, à distância, o sofrimento de Torquato da Luz que conheci no seu "Ofício Diário"e com quem cheguei a ter conversas mais próximas. Ainda hoje guardo comigo os mails que trocámos e o envelope em que me enviou um dos seus livros de poemas.  Sofri e chorei com a morte da saudosa  Amélia Pais cujo blog  "Barco de Flores ao longe" era um lugar de conhecimento, de afectos e convicções. Trocámos mails, encontramo-nos no lançamento de um dos seus livros sobre Fernando Pessoa para os garotos. Outros conhecimentos que por via do "Aguarelas de Turner" aconteceram, trouxeram, quase sempre, oportunidade para aprender e me sentir mais rica. 
Se durante tanto tempo  o momento de criar um post era um pequeno instante que roçava a criatividade, o tempo e os atalhos da vida , foram trazendo algum desgaste. O desaparecimento de amigos certos deixou este espaço cada vez mais cheio de dor ou povoado por uma deserta aridez. Por defesa certamente, deixei de  procurar os Outros, os que, carinhosamente ainda vão passando por aqui.Que eles não me levem a mal.  Os poetas e os pintores,esses, continuam a povoar as estantes do nosso coração, ao lado de todos aqueles que  souberam dizer amizade.. 
Nove anos depois, é tempo de dizer adeus. Como não gosto da palavra Fim, e não sei o que poderá nascer amanhã, digo só que vou até lá dentro por os livros em ordem..porque nove anos de desarrumação deixaram muita coisa fora do lugar.
Um dia destes vê-mo-nos, tá?
Um beijo para todos aqueles que me encheram de alegria.

Addiragram

sábado, maio 10, 2014

...Vamos todos em teu resgate...Vida

Impossível é não Viver 
Addiragram



Se te quiserem convencer de que é impossível, diz-lhes que impossível é ficares calado, impossível é não teres voz. Temos direito a viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forças do nosso corpo e, mais ainda, com todas as forças da nossa vontade. Viver é um verbo enorme, longo. Acreditamos em todo o seu tamanho, não prescindimos de um único passo do seu/nosso caminho. Sabemos bem que é inútil resmungar contra o ecrã do telejornal. O vidro não responde. Por isso, temos outros planos. Temos voz, tantas vozes; temos rosto, tantos rostos. As ruas hão-de receber-nos, serão pequenas para nós. Sabemos formar marés, correntes. Sabemos também que nunca nos foi oferecido nada. Cada conquista foi ganha milímetro a milímetro. Antes de estar à vista de toda a gente, prática e concreta, era sempre impossível, mas viver é acreditar. Temos direito à esperança. Esta vida pertence-nos. Além disso, é magnífico estragar a festa aos poderosos. É divertido, saudável, faz bem à pele. Quando eles pensam que já nos distribuíram um lugar, que já está tudo decidido, que nos compraram com falinhas mansas e autocolantes, mostramos-lhes que sabemos gritar. Envergonhamo-los como as crianças de cinco anos envergonham os pais na fila do supermercado. Com a diferença grande de não sermos crianças de cinco anos e com a diferença imensa de eles não serem nossos pais porque os nossos pais, há quase quatro décadas atrás, tiveram de livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos, tentaram. O único impossível é o que julgarmos que não somos capazes de construir. Temos mãos e um número sem fim de habilidades que podemos fazer com elas. Nenhum desses truques é deixá-las cair ao longo do corpo, guardá-las nos bolsos, estendê-las à caridade. Por isso, não vamos pedir, vamos exigir. Havemos de repetir as vezes que forem necessárias: temos direito a viver. Nunca duvidámos de que somos muito maiores do que o nosso currículo, o nosso tempo não é um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de contabilizar aquilo que valemos. Vida, se nos estás a ouvir, sabe que caminhamos na tua direcção. A nossa liberdade cresce ao acreditarmos e nós crescemos com ela e tu, vida, cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é impossível, diz-lhe que vamos todos em teu resgate, faremos o que for preciso e diz-lhes que impossível é negarem-te, camuflarem-te com números, diz-lhes que impossível é não teres voz. 

José Luís Peixoto, in 'Abraço'

sexta-feira, maio 09, 2014

Ergo uma Rosa...

                    

                             

segunda-feira, maio 05, 2014

O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados...

Felix Vallotton
Tarde de Maio

Como esses primitivos que carregam por toda parte o
maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio,
quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,
outra chama, não perceptível, tão mais devastadora,
surdamente lavrava sob meus traços cômicos,
e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes
e condenadas, no solo ardente, porções de minh’alma
nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza
sem fruto.

Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva,
colheita, fim do inimigo, não sei que portentos.
Eu nada te peço a ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto e passa…
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes, morremos.

Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera,
já então espectrais sob o aveludado da casca,
trazendo na sombra a aderência das resinas fúnebres
com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro
fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos,
sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo.

E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito
lutuoso, arrastado, poeirento, ou um desfile carnavalesco.
Nem houve testemunha.

Nunca há testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos.
Quem reconhece o drama, quando se precipita, sem máscara?
Se morro de amor, todos o ignoram
e negam. O próprio amor se desconhece e maltrata.
O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados;
não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória
das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta,
perdida no ar, por que melhor se conserve,
uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens.

Carlos Drumond de Andrade

sábado, maio 03, 2014

Um denterrato rói esse tabique...




Foto Addiragram


Soneto da espera   

Que bem conheço a espera e o seu lanço!
Ao princípio é cadeira de balanço,
uísque, livro, fumo azul no ar.
É a espera, projecto de esperar.

Um denterrato rói esse tabique
e sobre o tempo-antes uma fresta
se abre-fecha para melhor abrir-se,
O tempo-agora já se desespessa

e o tempo-antes-cresce. Qual balanço,
uísque, livro, fumo azul- a espera!
Adulterado tempo-agora, avanço
da paixão em demência que acelera

por ilusório tempo: o de abolir,
contigo, hoje, o antes e o provir.

Alexandre O´Neill -Poesias Completas