segunda-feira, agosto 30, 2010

E o poema cresce ....

                                (Gaugin)


Sobre um Poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, 
a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne

(Herberto Helder)

sexta-feira, agosto 27, 2010

Assim as flores no jardim não morrerram...

QUÍMICA                     (Monet)

Sublimemos, amor. Assim as flores
No jardim não morreram se o perfume
No cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores:
Não caldeiam instintos sem o lume
Nem o secreto aroma que rescende.


(José Saramago)


Nuns dias de lazer e de moleza, com a serra da Estrela bordejando todo o horizonte, e mergulhada, tardiamente, no "Ensaio sobre a Cegueira", apeteceu-me procurar de Saramago um poema na "reabertura" do "Aguarelas".