quinta-feira, outubro 02, 2008

Não queria que os ricos desaparecessem....


Quando fui viver para Nova Yorque, partilhava um apartamento de dois quartos e de renda acessível que ficava a meio quarteirão do rio Hudson. Não tinha emprego nessa altura e vivia da piada cruel a que dava o nome de poupanças. Ao final da tarde, à falta de melhor fazer, costumava andar a pé em direcção à zona leste e ficar a olhar especado pelas janelas das moradias de luxo, a imaginar o que acontecia naquelas salas tão bem mobiladas. Como seria ter não só um apartamento próprio, mas um edifício inteiro onde se podia fazer o que muito se quizesse? Via um homem de cabelo branco a tirar o seu colete ortopédico e perguntava-me o que teria ele feito para merecer uma vida tão privilegiada. Se eu pudesse ter trocado de lugar com ele, tê-lo-ia feito imediatamente.
Nunca perdera muito tempo com invejas enquanto vivia em Chicago, mas aí era possível alugar um apartamento de bom tamanho e ter ainda dinheiro suficiente para ir ao cinema ou para comprar uma peça de carne apresentável. Estar nas lonas em Nova Yorque era ter uma constante sensação dolorosa de falhanço, já que era regularmente confrontado com pessoas que não só tinham mais, mas muitíssimo mais. O meu orçamento diário consistia em doze dólares que rapidamente desapareciam, e toda e qualquer extravagância exigia um sacrifício correspondente. Se eu comprasse um cachorro quente na rua, tinha de compensar o gasto comendo apenas ovos ao jantar ou andar cinquenta quarteirões a pé para chegar à biblioteca em vez de ir de metro. O jornal, pescava-o, caderno a caderno, dos caixotes do lixo, e andava sempre a ver se encontrava receitas boas de asas de frango. Do outro lado da cidade, em East Village, os graffiti os ricos fossem comidos, postos na cadeia ou extreminados por meio de aumentos de impostos. Embora às vezes me parecesse uma boa ideia, eu esperava que a revolução não acontecesse enquanto eu fosse vivo. Não queria que os ricos desaparecessem antes de eu ter oportunidade de, pelo menos durante algum tempo, ingressar nas suas fileiras. O dinheiro era tentador. Eu só não sabia era como arranjá-lo.
(cont.)

(David Sedaris -eu falar bonito um dia)

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