segunda-feira, junho 30, 2008

Portas, imensas e nocturnas portas...

(Dali)

Nocturnas Portas

Portas, imensas e nocturnas portas, quando o que desejamos é um rasgão luminoso.

(Mário Rui de Oliveira- O vento da Noite)

domingo, junho 29, 2008

o homem é, metafísicamente falando, uma laranja


Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro...Espantem-se à vontade; podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluído, um homem, muitos homens, um objecto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; - e assim a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafísicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. Shylock, por exemplo. A alma exterior daquele judeu eram os seus ducados; perdê-los equivalia a morrer. " Nunca mais verei o meu ouro, diz ele a Tubal; é um punhal que me enterras no coração. " Vejam bem esta frase; a perda dos ducados, alma exterior, era a morte para ele. Agora, é preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma...
- Não? (cont.)

(Machado de Assis- O espelho, esboço de uma nova teoria da alma humana)

sábado, junho 28, 2008

REFLEXOS DO OLHAR-desafio

(Addiragram)
REFLEXOS DO OLHAR é o meu segundo canto.Um canto em que a música nasce do olhar que cada um tiver sobre esses meus Reflexos, em função da sua própria caixa de ressonância. Em tempos, sonhei propôr um espaço de escrita a partir dessas fotografias... Fui achando também, sempre, que as minhas brincadeiras, embora agradáveis aos meus olhos, não valeriam essa construção.
À beira d0 intervalo trazido pelas férias grandes, resolvi arriscar esse desafio propondo aos meus amigos visitantes a escrita do que lhes aprouver, a partir de uma foto (ou mais) que queiram usar como ponto de partida. Para isso, basta irem ao Reflexos, e escolherem o que lhes der mais jeito. Depois, é só enviarem para o mail do Blog- 2101@portugalmail.pt.
Se não antes, a partir de Setembro, o que for produzido irá ser publicado. Naturalmente os textos deverão vir identificados, no mínimo, com um nick-name e indicar a fotografia donde partiram.
Vamos ver o que poderá sair deste ENCONTRO.

Mercedes de Sosa - Simples cosas

sexta-feira, junho 27, 2008

Porquê quatro ou cinco?


(Bazille)
Quatro ou cinco cavalheiros debatiam, uma noite, várias questões de alta transcendência, sem que a disparidade dos votos trouxesse a menor alteração dos espíritos. A casa ficava no morro de Santa Teresa, a sala era pequena, alumiada a velas, cuja luz fundia-se misteriosamente com o luar que vinha de fora. Entre a cidade, com as suas agitações e aventuras, e o céu, em que estrelas pestanejavam, através de uma atmosfera límpida e sossegada, estavam os nossos quatro ou cinco investigadores de coisas metafísicas, resolvendo amigavelmente os mais árduos problemas do universo.
Por que quatro ou cinco? Rigorosamente eram quatro os que falavam; mas, além deles, havia na sala um quinto personagem, calado, pensando, cochilando, cuja espórtula no debate não passava de um ou outro resmungo de aprovação. Esse homem tinha a mesma idade dos companheiros, entre quarenta e cinquenta anos, era provinciano, capitalista, inteligente, não sem instrução, e. ao que parece, astuto e cáustico. Não discutia nunca; e defendia-se da abstenção com um paradoxo, dizendo que a discussão era a forma polida do instinto batalhador, que jaz no homem, como uma herança bestial; e acrescentava que os serafins e os querebins não controvertiam nada, e, aliás, eram a perfeição espiritual e eterna. Como desse esta mesma resposta naquela noite, contestou-a um dos presentes, e desafiou-o a demonstrar o que dizia, se era capaz. Jacobina (assim se chamava ele) refletiu um instante e respondeu:
- Pensando bem, talvez o senhor tenha razão.
Vai senão quando, no meio da noite, sucedeu que este casmurro usou da palavra, e não dois ou três minutos, mas trinta ou quarenta. A conversa, em seus meandros, veio caír na natureza da alma, ponto que dividiu radicalmente os quatro amigos. Cada cabeça, cada sentença; não só o acordo, mas a mesma discussão, tornou-se difícil, senão impossível, pela multiplicidade de questões que se deduziram do tronco principal, e um pouco, talvez, pela inconsistência dos pareceres. Um dos argumentadores, pediu a Jacobina alguma opinião, -uma conjectura, ao menos.
- Nem conjectura, nem opinião, redarguiu ele; uma ou outra pode dar lugar a dissentimento, e, como sabem, eu não discuto. Mas, se querem ouvir-me calados, posso contar-lhes um caso da minha vida, em que ressalta a mais clara demonstração acerca da matéria de que se trata. Em primeiro lugar, não há uma só alma, há duas...
-Duas? (cont.)

(Machado de Assis-O Espelho.Esboço de uma nova teoria da alma humana)

quinta-feira, junho 26, 2008

Mesa dos Sonhos

(Cezanne)


Ao lado do homem vou crescendo


Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente


Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte povoando
De novos sonhos a vida.

(Alexandre O'Neill- No Reino da Dinamarca)

quarta-feira, junho 25, 2008

Marisa Monte- A Lenda das Sereias

terça-feira, junho 24, 2008

Que quer a alma?

(Renoir)
O arco

Que quer o anjo? Chamá-la.
Que quer a alma? perder-se.
Perder-se em rudes guianas
para jamais encontrar-se.

Que quer a voz? encantá-lo.
Que quer o ouvido? embeber-se
de gritos blasfematórios
até quedar aturdido.

Que quer a nuvem? raptá-lo.
Que quer o corpo? solver-se,
delir memória de vida
e quanto seja memória.

Que quer a paixão? detê-lo.
Que quer o peito? fechar-se
contra os poderes do mundo
para na treva fundir-se.

Que quer a canção? erguer-se
em arco sobre os abismos.
Que quer o homem? salvar-se,
ao prémio de uma canção.


(Carlos Drummond de Andrade-Tentativa de Exploração e de Interpretação do Estar-no-Mundo)

segunda-feira, junho 23, 2008

ALEXANDRA- Alexander Sokurov



http://timeout.sapo.pt/film.asp?f=6436

Um filme contado através dos olhares dos seus protagonistas. A avó Alexandra visita o neto no acampamento de campanha, procurando penetrar, à sua maneira, nesse mundo estranho e desconhecido dos soldados em guerra, da cidade bombardeada e citiada e dos seus habitantes. Os militares, com a estranha presença desta avó , trazem a si memórias da casa, quase elidida do seu universo. Uma história contada com uma descrição e "objectividade", levando cada espectador à sua leitura do absurdo da guerra. Gostei de ver!

domingo, junho 22, 2008

Algures dentro de nós há outro espaço...

(David de Almeida-1982)
A Rosa e o Compasso

Dai-nos de novo o Astrolábio e o Quadrante
velas ao vento venha a partida
há sempre um Bojador perto e distante
nosso destino é navegar para diante
dobrar o Cabo dobrar a vida.
Dai-nos de novo a rosa e o compasso
a carta a bússola o roteiro a esfera
algures dentro de nós há outro espaço
chegaremos ainda a outro lado
lá onde se espera
o inesperado.

(Manuel Alegre-editado pela Galeria 111, com seis gravuras de David de Almeida)

sábado, junho 21, 2008

...e à volta entreteci um pouco de musgo


Vi uma azinheira que crescia na Louisiana

Vi uma azinheira que crescia na Louisiana,
Aí estava só, e o musgo pendia dos seus ramos,
Aí crescia, sem um companheiro, e oferecia alegres folhas verde-escuro,
E o seu aspecto rude, inflexível, robusto, fez-me pensar em mim,
Mas admirei-me que fosse capaz de dar folhas como essas, tão só que
estava, sem um amigo junto a si: eu sabia que não podia fazer o
mesmo,
Arranquei um pequeno ramo com algumas folhas e à volta entreteci um
pouco de musgo,
E levei-o e coloquei-o bem à vista no meu quarto,
Não preciso dele para lembrar-me os amigos queridos,
(Pois sei que ultimamente quase só penso neles,)
Mas é para mim um símbolo curioso, faz-me pensar no amor viril;
Apesar disso, e embora a azinheira resplandeça na Louisiana, solitária na
grande planície,
Oferecendo sempre alegres folhas, longe de um amigo ou de um amante,
Eu sei muito bem que não podia fazer o mesmo.


(Walt Whitman-Cálamo-trad de José Agostinho Baptista)

sexta-feira, junho 20, 2008

Brel-Voir un ami pleurer

quarta-feira, junho 18, 2008

Nos 120 Anos do nascimento de Pessoa-III




Programa da T.V Globo comemorativo dos 120 anos do nascimento de Fernando Pessoa

terça-feira, junho 17, 2008

A encosta do prado era tão a pique...

(Van Gogh)
Julguei durante muito tempo ter poucas recordações de infância; quero dizer de antes dos sete anos. Mas enganava-me: penso antes que até hoje quase não lhes dei ocasião de subirem até mim. Ao reexaminar os meus últimos anos no Mont-Noir, pelo menos algumas tornam-se pouco a pouco visíveis, como acontece com os objectos de um quarto com persianas fechadas, no qual há muito não nos aventuramos a entrar.
Revejo sobretudo plantas e animais, em plano secundário brinquedos, jogos e ritos que aconteciam à minha volta, mais vagamente e como que em último plano as pessoas. Trepo por entre ervas altas a encosta abrupta que leva ao terraço do Mont-Noir. Ainda não foi a ceifa. Há uma grande quantidade de acianos, papoilas e malmequeres, que lembram às minhas criadas a bandeira tricolor, ideia de que não gosto, porque queria que as minhas flores fossem só flores. Ignorávamos, claro, que dentro de cinco ou seis anos estas «papoilas dos Montes da Flandres» iriam ficar célebres por um motivo fúnebre, dormideiras em verdade, sagradas para o sono de alguns milhares de jovens ingleses que ali foram mortos, e de que ainda se vendem no nosso tempo reproduções em papel de seda escarlate para certas obras de caridade anglo-saxónicas. A encosta do prado era tão a pique que o carrinho de mão que eu puxava, cheio de ameixas ou de groselhas verdes colhidas no pomar entornavam-se sempre e elas rebolavam pela erva. No tempo das tílias em flor, a colheita durava vários dias. Estendíamo-la depois no chão do celeiro que cheirava bem todo o Verão.
Tive uma cabra branca a que o próprio Michel dourou os chifres, animal mitológico antes de eu saber o que era a Mitologia. Tive um grande carneiro muito branco a que dávamos banho todos os sábados na cuba da lavandaria; fugia para se rebolar na erva húmida, perseguido, quando era a grande barrela da Primavera em que se estendiam no campo os lençóis, as fronhas, as toalhas e os guardanapos amontoados no celeiro desde o último Outono, pelas lavadeiras aflitas e aos gritos.(...) Na altura dos belos crepúsculos, Michel acendia nos bosques inúmeras lamparinas esverdeadas parecidas com pirilampos; a criança que segurava aquela mão forte poderia pensar que tinha entrado no reino das fadas. Ficava um pouco inquieta por se perturbar o sono dos coelhos, mas garantiam-lhe que os coelhos já estavam a dormir nas tocas.

(Marguerite Yourcenar- O quê? A Eternidade)

segunda-feira, junho 16, 2008

Leôncio e Lena -Teatro da Cornucópia

El Rei Pupu

Tradução Renato Correia

Encenação Ricardo Aibéo

Cenário Joana Villaverde

Desenho de Luz José Álvaro Correia

Interpretação David Almeida, David Pereira Bastos, Luis Miguel Cintra,

Ricardo Aibéo,Sara Carinhas, Sofia Marques e Tiago Mateus


Georg Büchner (1813-1837), singular dramaturgo alemão, autor das peças “Woyzeck”, “A Morte de Danton” e “Leôncio e Lena” e da novela “Lenz”, morreu precocemente com 23 anos de idade, vítima de tifo. Foi um dos adolescentes geniais de vida curta, filho único da poesia, ao lado de Lautréamont e de Rimbaud. A obra de Büchner, tão preciosa quanto escassa, só foi reconhecida e dada a conhecer quase cem anos após a morte do autor. Hoje é considerado, dentro do teatro universal, um génio, um visionário, um percursor do teatro moderno e de várias tendências que se afirmaram no século XX: o Expressionismo, o Teatro Existencialista, o Teatro do Absurdo, etc.

É citado como referência estética tanto por Bertolt Brecht, como por Antonin Artaud (correntes opostas, porém unânimes em apontar a importância de Büchner). Com uma escrita inovadora, altamente poética e politizada, Büchner utiliza em “Leôncio e Lena” a estética do Romantismo para, servindo-se dos seus recursos, a criticar. Utiliza um enredo romântico para fazer uma denúncia demolidora e satírica contra a falta de espírito público e a tirania absurda dos reis, dos governantes. Nesta obra-prima que é “Leôncio e Lena”, anterior a "Rei Ubu" de Alfred Jarry (tão moderna quanto sua sucessora), Büchner criou aquilo que cem anos após ter sido escrita, Artaud viria a chamar de “realidade poética”.

O príncipe Leôncio vive entediado no reino de Pupu. O rei Pedro, seu pai, decide que o seu herdeiro deve casar-se com a princesa Lena do reino de Pipi e marca o dia do casamento. Leôncio não concorda com a arbitrariedade desta decisão e, com o apoio do seu fiel amigo Valério – uma espécie de vagabundo filósofo – foge para Itália em busca do amor ideal.

No reino de Pipi, a princesa Lena, outro infeliz fantoche do Poder, decide também fugir, pois não admite casar-se com um desconhecido. Os dois príncipes encontram-se casualmente e, desconhecendo por completo as suas verdadeiras identidades, acabam por apaixonar-se. Entretanto, no dia do casamento, instala-se um alvoroço no reino de Pupu com a descoberta da fuga do príncipe. Mas o criativo e delirante Valério tem uma ideia: cria uma encenação para o Rei, convencendo-o de que para fazer valer a palavra real não é preciso casar concretamente os dois príncipes, basta uma cerimónia simbólica onde os noivos sejam representados por dois ‘bonecos’, que efectivamente são os dois príncipes mascarados.

A cerimónia é realizada e depois de oficializado o matrimónio os dois ‘fantoches’ tiram as máscaras e é-lhes revelada a sua identidade.

A contemporaneidade e a intemporalidade da peça afirmam-se, de modo delicado e ao mesmo tempo cirúrgico e contundente, na forma como nela são abordados os temas do amor, do tédio e do Poder. Com um forte cunho filosófico, esta obra (“comédia niilista”, segundo alguns teóricos), que afirma o grande fatalismo da condição humana, é uma comédia dialecticamente trágica: apesar de, tanto Leôncio como Lena, procurarem o caminho da redenção e da independência, quis o destino que eles se encontrassem por acaso e se apaixonassem, sem saberem quem são realmente.


(retirado do programa do Teatro da Cornucópia)


Assistir ao Teatro de Cornucópia é para mim motivo sempre de enorme satisfação. Ainda recordo com nitidez a primeira peça que vi representada por Luís Miguel Cintra, Jorge Silva Melo e Eduarda Dionísio na Faculdade de Letras de Lisboa- O Anfitrião ou Jupiter e Alcmena de António José da Silva-o Judeu. A partir de então, embora às vezes de forma irregular, tenho acompanhado o percurso do Teatro da Cornucópia, que me tem trazido momentos de grande prazer. Esta tarde foi um desses dias. A interpretação do senil rei Pedro a cargo de Luis Miguel Cintra é brilhante e totalmente convincente.

As restantes interpretações são equilibradas conseguindo todo o grupo uma unidade. Uma crítica feita através de uma poderosa ironia a uma sociedade fechada, estéril e dominada pelo tédio.


Vejam, se puderem, esta peça. Vão dar o tempo por bem empregue.

domingo, junho 15, 2008

sábado, junho 14, 2008

sexta-feira, junho 13, 2008

O manjerico e a bandeira...


O vaso do manjerico
Caiu da janela abaixo.
Vai buscá-lo, que aqui fico
A ver se sem ti te acho


O vaso que dei àquela
Que não sabe quem lh'o deu
Há-de ser posto à janela
Sem ninguém saber que é meu

No dia de Santo António
Todos riem sem razão
Em S.João e S.Pedro
Como é que todos rirão?

O manjerico e a bandeira
Que há no cravo de papel-
Tudo isso enche a noite inteira,
Ó boca de carne e mel.

(Fernando Pessoa- Quadras)

Têm dois ofícios...

(Magritte)

Notável criatura são os olhos! Admirável instrumento da natureza; prodigioso artifício da Providência! Eles são a primeira origem da culpa; eles são a primeira fonte da Graça. São os olhos duas víboras, metidas em duas covas, e que a tentação pôs o veneno, e a contrição e a triaga. São duas setas que o Demónio se arma para nos ferir e perder; e são dois escudos com que Deus depois de feridos nos repara para nos salvar.Todos os sentidos do homem têm um só ofício; só os olhos têm dois. O Ouvido ouve, o Gosto gosta, o Olfacto cheira, o Tacto apalpa, só os olhos têm dois ofícios: Ver e Chorar. Estes serão os dois pólos do nosso discurso.
Ninguém haverá( se tem entendimento) que não deseje saber por que ajuntou a Natureza no mesmo instrumento as lágrimas e a vista;e por que uniu na mesma potência o ofício de chorar, e o de ver? O ver é a acção mais alegre; o chorar a mais triste. Sem ver, como dizia Tobias, não há gosto, porque o sabor de todos os gostos é o ver; pelo contrário, o chorar é o estilado da dor, o sangue da alma, a tinta do coração, o fel da vida, o líquido do sentimento. Por que ajuntou logo a natureza nos mesmos olhos dois efeitos tão contrários, ver e chorar? A razão e a experiência é esta. Ajuntou a natureza a vista e as lágrimas, poque as lágrimas são a consequência da vista; ajuntou a Providência o chorar com o ver, porque o ver é a causa do chorar. Sabeis porque choram os olhos? Porque vêem.

(Padre António Vieira)

quarta-feira, junho 11, 2008

Nos 120 anos do nascimento de Pessoa-II




2ºprograma da T.V Globo comemorativo dos 120 anos do nascimento de Pessoa

terça-feira, junho 10, 2008

Com o tempo...

(Alma-Tadema)

Com o Tempo o Prado Seco Reverdece

Com o tempo o prado seco reverdece,
Com o tempo cai a folha ao bosque umbroso,
Com o tempo para o rio caudaloso,
Com o tempo o campo pobre se enriquece,

Com o tempo um louro morre, outro floresce,
Com o tempo um é sereno, outro invernoso,
Com o tempo foge o mal duro e penoso,
Com o tempo torna o bem já quando esquece,

Com o tempo faz mudança a sorte avara,
Com o tempo se aniquila um grande estado,
Com o tempo torna a ser mais eminente.

Com o tempo tudo anda, e tudo pára,
Mas só aquele tempo que é passado
Com o tempo se não faz tempo presente.

(atribuído a Luís Vaz de Camões)

Nota: Extracto da carta da amiga e esclarecida Amélia Pais que partilho com todos:

Amiga: este é um dos muitíssimos sonetos muitas vezes atribuído a Camões, mas de autoria que se considera muito duvidosa.O problema está em que a 1ªedição das Rimas é póstuma a Camões (1595)e, como teve enorme êxito de imediato, editores sucessivos iam acrescentando mais sonetos e redondilhas, porque era êxito assegurado em Portugal e Espanha, sobretudo...Assim, ainda não há certezas sobre grande parte dos sonetos ditos de Camões - e a edição, por enquanto, considerada mais fidedigna é a de Costa Pimpão - da Almedina. Aguiar e Silva anda a tentar estabelecer em definitivo o cânone da lírica camoniana- mas é tarefa que vai levar bastante tempo.Este soneto é, pois, ainda de autoria duvidosa - eu considero-o nos escritos atribuídos a Camões...na pasta que tenho ligada a Camões.
Obs.: Na edição da Imprensa nacional está incluído com a seguinte nota:publicado por Juromenha. Figura no Cancioneiro de Fernandes Tomás como sendo da autoria de Baltazar Estaço.Foi editado entre as poesias deste autor em 1604, motivo que levou Carolina Michaelis a rejeitar a introdução no corpus camoniano. Nenhum dos editores modernos o inclui.Tema e forma levam a inseri-lo entre os lugares comuns da época.Nada no poema permite atribui-lo a Camões, e em nota: Juromenha publica, em nota, um soneto espanhol de tema e estrutura idênticos, que encontrou num manuscrito do século XVII, e que tem como incipit «Con tiempo passa el año,mes y horas»
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segunda-feira, junho 09, 2008

A Flor


A Flor

Entre a erva dos nervos camuflada,
emboscada no túnel de uma veia,
a flor apenas rompe, deslumbrada,
quando o pinhal à noite se incendeia...

Virá a converter-se em depressão,
enfarte do miocárdio, ou embolia,
no dia em que se apague esse clarão
com que a sua presença se anuncia...?

Mas numa artéria já sem movimento,
ou na erva dos nervos recolhida,
descobrirão a flor feita de vento
que em vida me deu morte e me deu vida...

Hão-de enterrar então a flor e o vaso.
E nunca ninguém mais alude ao caso.

(David Mourão-Ferreira- Infinito Pessoal)

domingo, junho 08, 2008

Celebrar Velásquez, dois dias depois...

Diego Rodriguez de Silva y Velásquez (Sevilha-6/06/1599;Madrid-6/08/1660)



http://pt.wikipedia.org/wiki/Diego_Vel%C3%A1zquez

sábado, junho 07, 2008

Nos 120 Anos do nascimento de Fernando Pessoa




Por indicação da amiga Amélia Pais em : http://barcosflores.blogspot.com/

sexta-feira, junho 06, 2008

quinta-feira, junho 05, 2008

Que melhor pertexto?

É tão frágil a vida

giacometti88.gif

(Giacometti)

O melhor pretexto


É tão frágil a vida
tão efémero tudo!
(não é verdade, amiga,
Olhinhos-cor-de –musgo?)

E ao mesmo tempo é forte,
forte da veleidade
de resistir à morte
quanto maior a idade

Assim, aos trinta e sete,
fechados alguns ciclos,
a vida ainda pede
mais sentimento, vínculos,

Não tanto os que nos deram
a fúria de viver,
como esses descobertos
depois de se saber

que a vida não é outra
senão a que fazemos
( e a vida é una só,
pois jamais voltaremos).

Partidários da vida,
melhor: do que está vivo,
Digamos “não!” a tudo
que tenha outro sentido

E que melhor pretexto
( quem o saiba que o diga!)
teremos p’ra viver
senão a própria vida?

Alexandre O’Neill ( Poemas com endereço)


Publicado em "Aguarelas de Turner" pela 1ªvez em 26 de Novembro de 2005

quarta-feira, junho 04, 2008

Digamos...


A VIOLETA

digamos: uma flor
um débil mundo de pétalas
aberto


digamos:uma cor
mais roxa de nossas dores escolhida


digamos: um ribeiro
um local habitável para a flor
a inventar


digamos: um perfume
impresso
na flor à beira-água


digamos: memória
diluída
no perfume da flor


por fim
digamos: uma violeta
eis a flor

(A.M.Pires Cabral- Antes que o Rio Seque)

terça-feira, junho 03, 2008

Ravel-Jogos de Água

segunda-feira, junho 02, 2008

Era a nudez da inteligência...

(Klimt)

ADÃO e EVA


Feliz era nudez. Vinha diurna
de dentro de si mesma. Porque o dia
ressumbrava recente desde a sua
novidade de pasmo. E de pupila
apta à evidência. E, por isso, arguta,
sem deduzir-se duma argúcia activa.
Onde fossem seus passos a espessura
entregava o seu fervor de enigma
para, depois, se recolher. Ter junta
e pronta a ordem de nova epifania.
Era a nudez da inteligência. Abrupta
e, ao mesmo tempo, de precisão tão íntima
que até os recantos justos da penumbra
recrutavam a luz da perspectiva.

(Fernando Echevarría)

domingo, junho 01, 2008

"O melhor do mundo são as crianças"



http://www.historiadodia.pt/pt/index.


Quando as crianças brincam
Eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar
E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.
[...]
(Pessoa, 1965, p.169)




Para o Simão e todos os meninos e meninas