A grande invenção dos índios é o silêncio. Os Índios sentem-se por ele obsidiados. Não se trata de um silêncio passivo, triste, meditativo, mas sim simplesmente de uma ausência de barulho, em todos os actos da vida quotidiana, uma ausência que ao mesmo tempo é uma defesa e um ataque. Os animais selvagens não fazem barulho. Avançam pela floresta sem fazer estalar as folhas do chão, sem um sopro. Deslizam nas suas patas elásticas. Os próprios pássaros são silenciosos. O que na selva espanta, o que depressa se torna insuportável, é o silêncio espesso, profundo e ameaçador, o silêncio que reina em toda a parte.
O homem índio conhece por instinto esses poderes, os poderes do silêncio. Se suspeita da linguagem, da expressão, é para estar consciente dos perigos que estas comportam. A linguagem falada não é só um meio de comunicar com o mundo; ela pode na realidade ser uma traição, uma exposição de si mesmo. É fechada, a linguagem. Constitui o bem comum da tribo, ou da raça. É um acto não gratuito, que não pode ser inconsciente. Falar é a propriedade dos homens, a afirmação da sua existência. Tal como os principais actos de afirmação da vida, o nascimento, o acasalamento, o parto ou a morte, a linguagem é uma magia. Quer dizer: um pacto que associa o homem e o universo.
A língua índia é mágica. A sua gramática e a sua sintaxe são uma lógica mágica. O silêncio, pelo contrário, é natural. Há em todos os índios esse sentimento, para nós incompreensível mas certamente admirável, da culpabilidade da linguagem. O índio sabe qual é esse terrível privilégio, e receia-o tanto quanto dele se sente orgulhoso. Os animais e as coisas não falam. Outrora falavam. Todos falavam, até as pedras. Mas depois algo rompeu esse equilíbrio, uma catástrofe destruiu a ordem da compreensão. E o homem, desde então, já não compreende os animais, deixou de ouvir a linguagem das pedras.
(...) O silêncio não é mágico. É animal, vegetal, elementar. É terreno. O silêncio desintegra as ameaças, dissolve os malefícios. É a defesa primeira contra as agressões dos outros, dos estranhos, dos não-humanos.
O silêncio é por assim dizer uma linguagem às avessas, como a dos sonhos ou dos êxtases. Uma linguagem que está para além das acusações e das responsabilidades.
Silêncio denso, impenetrável, ao longo dos rios de lama. A poucos metros de um habitat de índios você não terá ainda visto nada, nem ouvido coisa nenhuma. Eles, porém, viram-no a si, ouviram-no. (cont.)
(J.M.G Le Clézio- Índio Branco)
O homem índio conhece por instinto esses poderes, os poderes do silêncio. Se suspeita da linguagem, da expressão, é para estar consciente dos perigos que estas comportam. A linguagem falada não é só um meio de comunicar com o mundo; ela pode na realidade ser uma traição, uma exposição de si mesmo. É fechada, a linguagem. Constitui o bem comum da tribo, ou da raça. É um acto não gratuito, que não pode ser inconsciente. Falar é a propriedade dos homens, a afirmação da sua existência. Tal como os principais actos de afirmação da vida, o nascimento, o acasalamento, o parto ou a morte, a linguagem é uma magia. Quer dizer: um pacto que associa o homem e o universo.
A língua índia é mágica. A sua gramática e a sua sintaxe são uma lógica mágica. O silêncio, pelo contrário, é natural. Há em todos os índios esse sentimento, para nós incompreensível mas certamente admirável, da culpabilidade da linguagem. O índio sabe qual é esse terrível privilégio, e receia-o tanto quanto dele se sente orgulhoso. Os animais e as coisas não falam. Outrora falavam. Todos falavam, até as pedras. Mas depois algo rompeu esse equilíbrio, uma catástrofe destruiu a ordem da compreensão. E o homem, desde então, já não compreende os animais, deixou de ouvir a linguagem das pedras.
(...) O silêncio não é mágico. É animal, vegetal, elementar. É terreno. O silêncio desintegra as ameaças, dissolve os malefícios. É a defesa primeira contra as agressões dos outros, dos estranhos, dos não-humanos.
O silêncio é por assim dizer uma linguagem às avessas, como a dos sonhos ou dos êxtases. Uma linguagem que está para além das acusações e das responsabilidades.
Silêncio denso, impenetrável, ao longo dos rios de lama. A poucos metros de um habitat de índios você não terá ainda visto nada, nem ouvido coisa nenhuma. Eles, porém, viram-no a si, ouviram-no. (cont.)
(J.M.G Le Clézio- Índio Branco)
Há um pequeno nada para !"Aguarelas" no meu azul.
ResponderEliminarBj.
Olha, fiquei encantada com os textos deste autor, vou ler mais sôbre ele,
ResponderEliminarbjs.
JU Gioli