sábado, outubro 29, 2011

Na manhã débil, sem alvorada...

sábado, outubro 22, 2011

De súbito avistamos irisado o Tejo....

    (Aguarelas de Turner)

Aqui e além em Lisboa- quando vamos
Com pressa ou distraídos pelas ruas
Ao virar da esquina de súbito avistamos
Irisado o Tejo:
Então se tornam
Leve o nosso corpo e a alma alada

(Sophia de Mello Breyner- 3º Andamento)

terça-feira, outubro 11, 2011

ave matutina, ouve-me...

 Última Canção
Se puderes ainda
ouve-me, rio de cristal, ave
matutina,
ouve-me,
luminoso fio tecido pela neve,
esquivo e sempre adiado
aceno do paraíso.
Ouve-me, se puderes ainda,
Devastador desejo,
fulvo animal de alegria.
Se não és alucinação
ou miragem ou quimera, ouve-me
ainda: vem agora
e não na hora da nossa morte
- dá-me a beber a própria sede. 


(Eugénio de Andrade)

sexta-feira, outubro 07, 2011

Mas Lisboa não deixa de ser uma cocaína feliz...


     (Eduardo Salavisa)
Tinham-se em pé num terreno roubado ao Tejo e se não tinham preço, pelo menos, tinham um fim. Estou certa, recorda Pia, que devem ter partido tão tristes e tremido como varas verdes quando foram levadas do Terreiro de Paço, uma vez que nunca trataram por cima do ombro nenhum lisboeta.

Ora, não há pedra inteligente e delicada que não sinta pena de não estar ligada a alguma coisa real. E a memória de uma pedra é bem capaz de ser como um cesto de desagradáveis inquietações. E foi o que aconteceu, parece-me, às duas colunas.

Senão vejam. O cais da Pedra mais não foi que uma exaltação erótica da corte de D.Manuel e a Casa da Índia, mesmo tão perto, era o resultado de um tempo artificial mas que sustentava um poderoso negócio como quem sustenta um ceptro ou uma amante.

Mas as duas colunas, Pia, não são desse tempo. E se me disseres que o dormitório do convento de S.Domingos, o mosteiro do Restelo, a Torre de S. Vicente de Belém ou as tercenas navais se adaptaram imensamente felizes ao rio, eu concordo. Agora, as duas colunas colocadas anos mais tarde naquele local, não!

Ora, ora, tinham nos braços o Tejo. Tinham-no como quem nos braços uma paixão mas também como quem sabe que com ela chegará mais dia menos dia à infelicidade.

As tuas palavras, diz-lhe Napoleana, têm fé. Mas repara que ter amores com, ter o berço em, ter cabeça para, ter dono, ter dúvidas, ter na mão, ter juízo, ter um dote ou ter o diabo no corpo são apenas razões que militam a favor e contra a felicidade.

Mas eu não entendo a vossa inquietação e mágoa pelo desaparecimento das duas colunas do Terreiro do Paço. Desapareceram e pronto! À justa, nem mais nem menos, a uma hora justa foram-se! E se calhar há na sua fuga a alegria de fugir.

Bem observado Matusalém. Anda meia Lisboa a engolir este desaparecimento com as teorias mais conspirativas quando o que devia engolir era o simples facto de as duas colunas terem adivinhado o momento preciso, exacto, da sua fuga.

Mas todos vocês se recordam de ouvir falar da polémica que agitou e ondulou a cidade quando voltaram a colocá-las no Terreiro de Paço. Foi julgo, há trinta anos .Lembram-se?

Uns advogam que deviam voltar ao lugar inicial, outros não. Por sua vez, o poder político defendia que os últimos serão os primeiros e os primeiros os últimos. E os mais exaltados explicavam que as duas colunas tinham chagado às últimas, estavam nas últimas e era chegada a última hora.

E no meio de tanta profecia ouvida, sabem o que fizeram as duas colunas de pedra? Pois bem, eu  sei que elas resolveram fugir dali pelo seu próprio pé e de uma vez por todas.

Napoleona, Pompílio e Matusalém estão calados. E Pia conta que a coluna do lado esquerdo resolveu entrar pelo rio com a determinação de um pintor quando dá a última demão num quadro. Já a sua companheira escolheu deixar pela madrugada a praça e, sem ser vista, dirigiu-se a uma pedreira de Loures onde dias mais tarde foi desfeita pela ignorância de de alguém. E confesso-vos, agora contei a verdadeira história do desaparecimento das duas colunas do Terreiro do Paço, sinto um  fascínio triste por esta velhice urbana. Mas Lisboa não deixa de ser uma cocaína feliz.

(Carlos Mota de Oliveira- Logo, em Porto Formoso)

domingo, outubro 02, 2011

Se pone blanca con blanco de una mejilla de sal....

    (Imogen Cunnigham)

La Rosa Mudable

Cuando se abre en la mañana,
roja como sangre está.
El rocío no la toca
porque se teme quemar.


Aberta en el medio día
es dura como ele coral.
El sol se asoma a los vídrios
para verla relumbrar.
Cuando en las ramas empiezan
los pájaros a cantar
y se desmaya la tarde
en las violetas del mar,
se pone blanca, con blanco
de una mejilla de sal.
Y cuando toca la noche
blanco cuerno de metal
y las estrellas avanzan
mientras los aires se van,
en la raya de lo oscuro,
se comienza a deshojar.


(Federico García Lorca)