sexta-feira, outubro 10, 2008

J. M.G. Le CLÉZIO


http://ler.blogs.sapo.pt/170853.html


O encontro com o mundo índio não é hoje um luxo. Tornou-se uma necessidade para quem quer compreender o que se passa no mundo moderno.Não basta porém compreender; trata-se de tentar ir até ao fim de todas as galerias obscuras, de procurar abrir algumas portas-quer dizer, no fundo, tentar sobreviver. O nosso universo de cimento e de ramificações eléctricas não é simples. Quanto mais se o pretende explicar, mais ele nos escapa. Viver por dentro, hermeticamente fechado, seguindo os impulsos mecânicos, sem procurar trespassar estas muralhas e estes tectos, é mais do que inconsciência; é expormo-nos ao perigo de sermos pervertidos , mortos, tragados. Sabemos hoje que não há verdades; mas há explosões, metamorfoses, dúvidas. Bem entendido, queremos abalar. Mas para onde? Todos os caminhos são parecidos, todos são um regresso ao próprio indivíduo. É pois preciso procurar outras viagens. Que é o tempo, que é o espaço? Em cada segundo descobrimos no espectáculo do nosso presente, daquilo que nos é familiar, os abismos do futuro e da distância. As dúvidas são céleres, mais céleres que as proezas técnicas. Lá no fim da paisagem do futuro, ao cabo destas estradas de cimento, destas pontes suspensas, destes dédalos urbanos, destes desenhos dos fios e dos transistores, há talvez ainda esse mesmíssimo país, desconhecido , este país velho de milhões de anos, sombrio, impregnado de solidão e de mistério, este país mudo e altivo onde a linguagem humana não passa ainda de um quase imperceptível tremor, este país tão terrívelmente vasto e tão vivo que as mais inertes coisas batem como corações e vibram como cérebros, país despovoado, país lendário que nasce, que está a nascer. Um dia, ali, sem que se saiba bem como, fica-se em presença das razões primeiras, e vê-se o que poderia vir. Apreendem-se imediatamente como se estivessem escritos em cada uma das nossas células, os desenhos e as palavras elementares que incessantemente assinalam. (cont.)

(J.M.G. Le Clézio- Índio Branco. Ed Fenda)


2 comentários:

  1. Confesso que desconhecia este Nobel da Literatura 2008.
    Mas esse bocadinho que transcreves, abriu-me inegavelmente o apetite.
    Até porque o Clézio diz aqui coisas que de há muito me preocupam.
    Retenho e sublinho:
    É pois preciso procurar outras viagens

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  2. Também desconhecia este autor agora Nobel.Escreve com a verdade da humanidade.
    Bj.

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