sexta-feira, março 20, 2009

O elefante não joga, não é deste mundo

(Rembrandt)
Não havia dúvida, a sorte parecia decidida a favorecer as armas de portugal.
Ainda demoraram quase uma hora a entrar na vila, uma caravana de homens e animais perdidos de cansaço, que mal tinham forças para levantar o braço ou acenar com as orelhas em agradecimento aos aplausos com que os vizinhos de castelo rodrigo a recebiam. Um representante do alcaide guiou-os até à praça de armas da fortificação, onde podiam caber pelo menos dez caravanas como aquela. Aí esperavam-nos três membros da família dos castelões, que depois acompanharam o comandante a inspeccionar os espaços disponíveis para abrigar os homens, sem esquecer os que os espanhóis viriam a necessitar no caso de não bivacarem fora do castelo. O alcaide, a quem o comandante foi apresentar os seus respeitos depois da inspecção, disse, O mais provável é que instalem o acampamento fora das muralhas do castelo, o que, além do resto, teria grande vantagem de reduzir a possibilidade de confrontações. Por que pensa vossa senhoria que poderá haver confrontações, perguntou o comandante. Com estes espanhóis nunca se sabe, desde que têm um imperador parece que andam com o rei na barriga, e muito pior ainda seria se em vez de virem os espanhóis viessem os austríacos. É má gente, perguntou o comandante, Julgam-se superiores aos mais, Isso é pecado geral, eu, por exemplo, julgo-me superior aos meus soldados, os meus soldados julgam-se superiores aos homens que vieram para trabalho pesado, E o elefante, perguntou o alcaide, sorrindo. O elefante não joga, não é deste mundo, respondeu o comandante, Vi-o chegar de uma janela, de facto é um animal soberbo, gostaria de olhá-lo de perto, É todo seu quando quizer, Não saberia que fazer com ele, a não ser alimentá-lo, Previno vossa senhoria de que este bicho requer muito alimento, Assim tenho ouvido dizer, e não me apresento para ser proprietário de um elefante, sou um simples alcaide do interior, Isto é, nem rei nem arquiduque. tal qual, nem rei nem arquiduque, só disponho do que posso chamar meu. O comandante levantou-se, Não lhe ocupo mais tempo, senhor, muito obrigado pela atenção com que me recebeu.

(José Saramago-A Viagem do Elefante)

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