sábado, março 07, 2009

Era o mundo que sempre existira no seu coração...

(Salvador Dali)
A sua verdadeira tragédia ( começava a entender) residia na incapacidade de comunicar aos outros o conhecimento que tinha da existência de um outro mundo, um mundo para além da ignorância e da fragilidade, para além do riso e das lágrimas. Era justamente essa barreira que o forçava a continuar palhaço do próprio Criador, pois em verdade não havia no mundo uma só pessoa a quem pudesse explicar o dilema.
E eis que de repente lhe surgiu a ideia-tão simples! que ser um zé-ninguém ou ser Alguém ou ser mesmo toda a gente não o impedia de ser ele próprio. Se era realmente um palhaço, então sê-lo-ia sempre e sempre, desde a hora matinal do levantar até o momento de fechar os olhos. Durante a temporada ou fora dela, por contrato ou simples prazer, continuaria palhaço. De tão inalteravelmente convencido desta sabedoria, queria já começar-mesmo sem caracterização, sem fatiota, sem acompanhamento do velho e guinchante violino. Tornar-se-ia de tal forma ele próprio que só a verdade, esta verdade que ardia agora nele como um incêndio, seria reconhecível.
Uma vez mais fechou os olhos, para melhor se afundar na treva. Assim ficou durante longo tempo, respirando calma e pacificamente no leito do seu próprio ser. Quando descerrou as pálpebras, revelou-se-lhe um mundo despojado de todos os véus. Era o mundo que sempre existira no seu coração, pronto sempre a manifestar-se-mas que só começa a pulsar no momento em que um homem pulsa em uníssono com ele. (Cont.)

(Henry Miller- O Sorriso aos pés da Escada)

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