segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Freud responde a Einstein -I


(Extractos)

Viena, Setembro de 1932

Prezado Professor Einstein,

Quando soube que o senhor tencionava convidar-me para um intercâmbio de pontos de vista sobre um assunto que lhe interessava e que parecia merecer o interesse de outros além do senhor, aceitei prontamente. Esperava que o senhor escolhesse um problema situado nas fronteiras daquilo que é actualmente cognoscível, um problema em relação ao qual cada um de nós, físico e psicólogo, pudesse ter o seu ângulo de abordagem especial e no qual nos pudéssemos encontrar, sobre o mesmo terreno, embora partindo de direcções diferentes. O senhor apanhou-me de surpresa, no entanto, ao perguntar o que pode ser feito para proteger a humanidade da maldição da guerra. Inicialmente assustei-me com o pensamento da minha-quase escrevi "nossa"- incapacidade de lidar com o que parecia ser um problema prático, um assunto para estadistas. Depois, no entanto, percebi que o senhor havia proposto a questão, não na condição de cientista da natureza e físico mas como filantropo: o senhor estava seguindo a sugestão da Liga das Nações, assim como Fridtjof Nansen, o explorador polar,assumiu a tarefa de auxiliar as vítimas famintas e sem tecto da guerra mundial.
(...)

O senhor começou com a relação entre o direito e o poder. Não se pode duvidar de que seja esse o ponto de partida correcto da nossa investigação. mas permita-me substituir a palavra "poder" pela palavra mais nua e crua "violência"? No entanto é fácil mostrar que uma se desenvolveu da outra; e se nos reportarmos às origens primeiras e examinarmos como essas coisas se passaram, resolve-se o problema facilmente.(...)

É pois, um princípio geral que os conflitos de interesses entre os homens são resolvidos pelo uso da violência. É isto o que se passa em todo o reino animal, do qual o homem não tem motivo por que se excluir. No caso do homem, sem dúvida ocorrem também conflitos de opiniãoque podem chegar a
atingir as mais raras nuances de abstracção e que parecem exigir alguma outra técnica
para sua resolução.Esta é, contudo, uma complicação a mais. No início, numa pequena horda humana era a superioridade da força muscular que decidia quem tinha a posse das coisas ou quem fazia prevalecer a sua vontade. A força muscular logo foi sumplantada e substituída pelo uso dos instrumentos: o vencedor era aquele que tinha as melhores armas ou aquele que tinha a maior habilidade no seu manejo. A partir do momento em que as armas foram introduzidas, a superioridade intelectual já começou a substituir a força muscular bruta; mas o objectivo final da luta permanecia o mesmo- uma ou outra facção tinha de ser compelida a abandonar suas pretensões ou suas objecções, por causa do dano que lhe havia infligido e pelo desmantelamento da sua força. Conseguia-se esse objectivo de modo mais completo se a violência do vencedor eliminasse para sempre o adversário, ou seja, o matasse. Isto tinha duas vantagens: o vencido não podia restabelecer a sua oposição e o seu destino dissuadiria outros a seguirem o exemplo. Ademais disso, matar um inimigo satisfazia uma inclinação instintual, que mencionarei posteriormente. (...)

Como sabemos, esse regime foi modificado no transcurso da evolução. Havia um caminho que se estendia da violência ao direito ou à lei. Que caminho era essa? Penso ter sido apenas um: o caminho que levava ao reconhecimento do facto de que à força superior de um único indivíduo podia contrapor a união de diversos indivíduos fracos.L'union fait la force. A violência podia ser derrotada pela união, e o poder daqueles que se uniam representava, agora, a lei, em contrapoção à violência do indivíduo só. Vemos, assim, que a lei é a força de uma comunidade. Ainda é violência, pronta a se voltar contra qualquer indivíduo que se lhe oponha; funciona pelos menos métodos e persegue os mesmos objectivos. A única diferença real reside no facto de que aquilo que prevalece não é mais a violência do indivíduo, mas a violência da comunidade.(...) A união da maioria devia ser estável e duradoura. Se apenas fosse posta em prática com o propósito de combater um indivíduo isolado e dominante, e fosse dissolvida depois da derrota deste, nada se teria realizado. A pessoa, a segui, que se julgasse superior em força, haveria de mais uma vez tentar estabelecer o domínio através da violência e o jogo reperir-se-ia
ad infinitum.(...)

(...) As leis são feitas por e para os membros governantes e deixa pouco espaço para os direitos daqueles que se encontram em estado de sujeição(...) Primeiramente são feitas, por certos detentores do poder, tentativas, no sentido de se colocarem acima das proibições que se aplicam a todos- isto é, procuram escapar do domínio pela lei pelo domínio pela violência. (...)

É impossível estabelecer qualquer julgamento geral das guerras de conquista. Algumas, como as empreendidas pelos mongóis e pelos turcos, não trouxeram senão malefícios. Outras, pelo contrário, contribuíram para a transformação da violência em lei, ao estabelecerem unidades maiores, dentro das quais o uso da violência se tornou impossível e nas quais um novo sistema de leis solucionou os conflitos(...) Por paradoxal que possa parecer, deve-se admitir que a guerra podia ser um meio nada inadequado de estabelecer o reino ansiosamente desejado da paz "perene", pois está em condições de criar as grandes unidades dentro das quais um poderoso governo central torna impossíveis outras guerras.Contudo, ela falha quanto a esse propósito, pois os resultados da conquista são geralmente de curta duração: as unidades recentemente criadas esfacelam-se novamente, no mais das vezes pela violência.(...)

(cont.)

S. Freud

2 comentários:

  1. Dois grandes vultos da história das ideias, a falares sobre um problema sempre na ordem do dia.
    Infelizmente...

    Tens "lá" uma maldadezita à tua espera.
    Mas é sem compromisso.
    Se te baldares, tens todo o mau apoio....

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  2. Corrijo: meu apoio e não mau apoio (era o que faltava...).

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