quinta-feira, fevereiro 07, 2008

A sua profunda voz de barítono...


(Daumier)
Breuer tirou o relógio do bolso, aquele que o pai lhe dera. Estava na hora de voltar ao fiacre, onde Fischmann os aguardava.
Com o vento agora a soprar pelas costas, a caminhada tornou-se mais fácil.
- Pode ser mais honesto do que eu-disse Breuer.- Talvez os julgamentos do meu pai me oprimissem mais do que pensava. Mas na maior parte do tempo, sinto muito a sua falta.
- Sente falta de quê?
Breuer evocou a figura do pai e contemplou as lembranças que desfilaram ante os seus olhos. O velho, de solidéu na cabeça, entoando uma benção antes de provar a sopa de batatas e arenque. O sorriso dele sentado na sinagoga, observando o filho a enrolar os dedos nas borlas do xaile das preces . A sua recusa em deixar o filho voltar atrás num lance de xadrez:« Josef, não me posso permitir ensinar-te maus hábitos». A sua profunda voz de barítono, que preenchia a casa enquanto cantava passagens para os rapazes que preparava para os bar mitzvah.
- Acima de tudo, creio que sinto falta da sua atenção. Foi sempre a minha principal plateia, mesmo no fim da vida, quando sofreu um problema mental e perdeu a memória. Não deixava de lhe contar os meus sucessos, os meus triunfos de diagnóstico, as minhas descobertas nas investigações, até as minhas doações de caridade. Mesmo depois de morrer, continuou a ser a minha plateia. Durante anos, imaginei-o a espiar-me por cima dos meus ombros, observando e aprovando as minhas realizações. Quanto mais a sua imagem se desvanece, mais luto contra o sentimento de que as minhas actividades e os meus sucessos são todos evanescentes, de que não têm significado real.
- Josef, diz que se os seus sucessos pudessem ser registados na mente efémera do seu pai, então teriam significado?(...)

(Irvin D. Yalon - Quando Nietzsche chorou)

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