quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Freud responde a Einstein III

(Klint)

Passo, agora, a acrescentar algumas observações aos seus comentários. O senhor expressa surpresa ante o facto de ser tão fácil inflamar nos homens o entusiasmo pela guerra, e insere a suspeita de que neles existe em actividade alguma coisa- um instinto de ódio e destruição- que coopera com os esforços dos mercadores da guerra. Também nisto apenas posso exprimir meu inteiro acordo. Acreditamos na existência de um instinto desta natureza, e durante os últimos anos temo-nos ocupado realmente em estudar as suas manifestações. Permita-me que me sirva desta oportunidade para apresentar-lhe uma parte da teoria dos instintos que, depois de muitas tentativas hesitantes e muitas vacilações de opinião, foi formulada pelos que trabalham na área da psicanálise?
De acordo com a nossa hipótese, os instintos humanos são apenas de dois tipos: aqueles que tendem a preservar e a unir- que denominamos "eróticos", exactamente no mesmo sentido em que Platão usa a palavra "Eros" em seu Symposium, ou "sexuais", com uma deliberada ampliação da concepção popular de "sexualidade"-; e aqueles que tendem a destruir e matar, os quais agrupamos como instinto agressivo ou destrutivo. Como o senhor vê, isto não é senão uma formulação teórica da universalmente conhecida oposição entre amor e ódio, que talvez possa ter alguma relação básica com a polaridade entre atracção e repulsão, que desempenha um papel na sua área de conhecimentos. Entretanto, não devemos ser demasiado apressados em introduzir juízos éticos de bem e de mal. Nenhum desses instintos é menos essencial do que o outro; os fenómenos da vida surgem da acção confluente ou mutuamente contrária de ambos.(...)Assim, por exemplo, o instinto de autopreservação certamente é de natureza erótica; não obstante, deve ter à sua disposição a agressividade, para atingir o seu propósito. Dessa forma, também o instinto de amor, quando dirigido a um objecto, necessita de alguma contribuição do instinto de domínio, para que tenha a posse desse objecto. A dificuldade de isolar as duas espécies de instinto em suas manifestações reais é, na verdade, o que até agora nos impedia de reconhecê-los. Se o senhor quiser acompanhar-me um pouco mais, verá que as acções humanas estão sujeitas a uma outra complicação de natureza diferente. Muito raramente uma acção é obra de um impulso instintual
único ( que deve estar composto de Eros e destrutividade). A fim de tornar possível uma acção, há que haver, via de regra, uma combinação desses motivos compostos. Isto, há muito tempo, havia sido percebido por um especialista na sua matéria, o professor G.C.Lichtenberg, que ensinava física em Göttingen, durante o nosso classisismo, embora talvez, ele fosse ainda mais notável como psicólogo do que como físico. Ele inventou uma "bússula de motivos", pois escreveu: "Os motivos que nos levam a fazer algo poderiam ser dispostos à maneira da roda-dos-ventos e receber nomes de uma forma parecida: por exemplo; "pão-pão-fama" ou "fama-fama-pão". de forma que, quando os seres humanos são incitados á guerra, podem ter toda uma gama de motivos para se deixarem levar- uns nobres, outros vis, alguns francamente declarados, outros jamais mencionados. Não há por que enumerá-los todos. Entre eles está certamente o desejo da agressão e destruição: as incontornáveis crueldades que encontramos na história e em nossa vida de todos os dias atestam a sua existência e a sua força. A satisfação desses impulsos destrutivos naturalmente é facilitada por sua mistura com outros motivos de natureza erótica e idealista. Quando lemos sobre as atrocidades do passado, amiúde é como se os motivos idealistas servissem apenas de excusa para os desejos destrutivos; e, às vezes- por exemplo, no caso das crueldades da Inquisição- é como se os motivos idealistas tivessem assomado a um primeiro plano na consciência, enquanto os destrutivos lhes emprestassem um reforço inconsciente. Ambos podem ser verdadeiros.

(S.Freud) (cont.)