Turner na liberdade das suas aguarelas dá-nos a emoção do olhar e do sentir em estado puro.Este espaço propõe-se convocar, pela voz dos que sabem, múltiplos instantes de vida: luz e sombra; esquecimento e memória; vida e morte...
"Seja qual fôr o caminho que eu escolher um poeta já passou por ele antes de mim"
S. Freud
segunda-feira, dezembro 31, 2007
Amar por claridade....
AMOR SEM TRÉGUAS
É necessário amar,
qualquer coisa, ou alguém;
o que interessa é gostar
não importa de quem.
Não importa de quem,
nem importa de quê;
o que interessa é amar
mesmo o que não se vê.
Pode ser uma mulher,
uma pedra, uma flor,
uma coisa qualquer,
seja lá do que for.
Pode até nem ser nada
que em ser se concretize,
coisa apenas pensada,
que a sonhar se precise.
Amar por claridade,
sem dever a cumprir;
uma oportunidade
para olhar e sorrir.
Amar como o homem forte
só ele o sabe e pode-o;
amar até à morte,
amar até ao ódio.
Que o ódio, infelizmente,
quando o clima é de horror,
é forma inteligente
de se morrer de amor.
António Gedeão (Poesias Completas - 1956-1967)
domingo, dezembro 30, 2007
Reflexos do Olhar XI (2ª série) - alinhamentos
sábado, dezembro 29, 2007
Canção da Terra - Mahler
Tudo cabe dentro das palavras....
Um poeta barroco disse:
as palavras são
as línguas dos olhos
Mas o que é um poema
senão
um telescópio do desejo
fixado pela língua?
O voo sinuoso das aves
as altas ondas do mar
a calmaria do vento:
Tudo
tudo cabe dentro das palavras
e o poeta que vê
chora lágrimas de tinta
Ana Hatherly in "O Pavão Negro".2003
quinta-feira, dezembro 27, 2007
Gilbert Bécaud -Nathalie
A idade da criança é o avesso simétrico da idade do Pai Natal
A decepção das crianças quando descobrem que o Pai Natal «não existe» e que, de facto, são os pais que lhes oferecem os presentes, marca uma viragem irreversível na sua percepção da realidade. Precisamente, representa uma vitória do « princípio da realidade» sobre o« princípio do prazer», como diria Freud- Muitos pais, seguindo conselhos sábios de grandes psicólogos, acham que é bom dizer-lhes a verdade. É penoso, claro, mas a criança tem de crescer, encarar a « dureza da vida», etc. Todo um discurso bem estruturado e apoiado em teorias consistentes.
A criança é que não fica contente. E só sossegará a amargura que lhe restou quando souber, um dia, transformar a « realidade» num outro tipo de sonho. Na verdade, a velha classificação freudiana entre dois princípios pode ter as mais funestas consequências, além de os conceitos em jogo não estarem suficientemente esclarecidos. O que é o «prazer» e o que é a«realidade» para a criança? Quando uma criança brinca, é todo um devir que se põe em movimento: devir-avião, devir-boneca,devir-dragão ou dinossáurio.
Processos psíquicos complexos entram então em acção. Há ali, no jogo, mais do que Winnicott e outros psicanalistas descobriram: há uma estranha transformação da criança em avião, em espaço sideral, em força cósmica, em ventos, corpos deslizantes. Ele é e não é o avião ao mesmo tempo, ao exercitar o seu poder de metamorfose. É essa a sua « realidade», completamente confundida e inconfundível com o prazer.
ORA, NESTE CONTEXTO EM QUE O «IMAGINÁRIO» e o «real» coincidem, o Pai Natal é a força imanente que os une: para as crianças, que devêm múltiplos seres e elementos, as linhas de fuga- às máquinas de«aculturação» e« aprendizagem da cultura» ( a «cultura como domesticação», como diz Nietzsche)- são infinitas. O Pai Natal não representa apenas o dom sem exigência de reciprocidade, é a irrupção da vida no puro dom. Em qualquer jogo de criança jorra sempre o maravilhoso acaso de existir, o puro movimento de prazer de ser e desejar. Aqui, «puro» significa em parte o que os psicólogos chamam « actividade lúdica».
Mas o que é essa «actividade» senão o movimento da vida que brota, sempre nova, como se todos os dias fossem o começo do mundo? É isso ser criança, ter essa capacidade de devir. Eis porque é tão difícil saber a idade de uma criança: num aspecto afectivo pode ser mais velha que a idade biológica, noutra mais nova, tem «regressões» aqui, «fixações» acolá. Nunca se sabe realmente o que significam os sete anos que aquela criança tem. Mas se olharmos para o Pai Natal, compreendemos: a idade da criança é o avesso simétrico da idade do Pai Natal. Por isso tantos adultos se mascaram de Pai Natal- para devirem crianças, para entrarem, num curto espaço de tempo, no mundo das crianças.
O PAI NATAL SURGE DO COSMOS, como nós-crianças. Ao espalhar prendas pelo mundo, ele joga à maneira dos nossos jogos, neles fazendo nascer, de cada vez pela primeira vez, o dom de existir e de desejar o desejo de existir. É o jogo maior, o jogo do maior dom que está em todas as prendas- o jogo da idade de criança no começo do mundo de todos os devires- criança. Fora do tempo, mas para todos os tempos.
Na época natalícia, solsticio de Inverno que marca a supremacia da luz sobre as trevas, é o tempo-sempre da idade das crianças que os adultos não deveriam nunca deixar em si desaparecer.
José Gil in Radar: Ensaio (Revista Visão nº 773 de 27 de Dezembro 2007)
quarta-feira, dezembro 26, 2007
Reflexos do Olhar X (2ªsérie)
terça-feira, dezembro 25, 2007
Presente de Natal
De uma caixa de palha entrançada
O pai escolhe uma bolinha de papel
E lança-a
Na bacia
Diante dos filhos intrigados
Surge então
Multicor
A grande flor japonesa
O nenúfar instantâneo
E os filhos emudecem
Deslumbrados
Mais tarde na sua memória
Jamais essa flor murchará.
Essa flor imprevista
Feita para eles
Num ápice
Diante deles.
(Jacques Prévert- trad. do francês Manuela Torres)
Poemas para o meu Natal
Miguel Torga
Um anjo diabético, atual,
Ergueu a mão e disse: — É noite de Natal,
Paz à imaginação!
E todo o ritual
Que antecede o milagre habitual
Perdeu a exaltação.
Em vez de excelsos hinos de confiança
No mistério divino,
E de mirra, e de incenso e ouro
Derramados
No presépio vazio,
Duas perguntas brancas, regeladas
Como a neve que cai,
E breve como o vento
Que entra por uma fresta, quizilento,
Redemoinha e sai:
A volta da lareira
Quantas almas se aquecem
Fraternalmente?
Quantas desejam que o Menino venha
Ouvir humanamente
O lancinante crepitar da lenha?
segunda-feira, dezembro 24, 2007
Foi o medo...que os deuses inventou...
(Epigrama)
Foi o medo, no mundo, que os deuses inventou,
no momento em que os raios do céu se despenhavam,
que as chamas destruíam os montes e as cidades.
Cedo se fez de Febo, de oriente a ocidente,
o deus que ordena a terra; a Lua a mensageira
da renovada esp´rança; dos signos, sobre o orbe,
a sucessão dos meses no decurso do ano.
Crédulos lavradores, com infundada crença,
trataram de honrar Ceres levando-lhe primícias,
e de com vastas palmas engrinaldaram Baco.
Só falta para aqueles que o mundo vão vendendo
finalmente inventarem o deus da avareza.
Séneca (Fragmento 27,w I-9, 12-13.)
domingo, dezembro 23, 2007
Ivete Sangalo e Rosa Passos
BOAS-FESTAS
sábado, dezembro 22, 2007
Poemas para o meu Natal
Não digo do Natal – digo da nata
do tempo que se coalha com o frio
e nos fica branquíssima e exacta
nas mãos que não sabem de que cio
nasceu esta semente; mas que invade
esses tempos relíquidos e pardos
e faz assim que o coração se agrade
de terrenos de pedras e de cardos
por dezembros cobertos. Só então
é que descobre dias de brancura
esta nova pupila, outra visão,
e as cores da terra são feroz loucura
moídas numa só, e feitas pão
com que a vida resiste, e anda, e dura.
Pedro Tamen
Reflexos do Olhar IX (2ªsérie) - cápsula delicada
sexta-feira, dezembro 21, 2007
É amor sem ontem nem amanhã..
O Brasil já conhece este amor; nele reside a sua espantosa energia. Este amor fino, generoso, que se respira em feliz inconsciência, nasce do convívio quotidiano com a morte e com a música, com a dança e o desaparecimento. É amor sem ontem nem amanhã, sem cálculos nem poupanças, instantaneamente eterno. Partilho-o no corpo do meu amante Emanuel e na gargalhada da minha amiga Clara, e nessa partilha o multiplico, de modo a que, se Clara e Emanuel desaparecerem amanhã debaixo de uma chuva de balas, do trovão de uma doença, ou do simples tédio da minha presença, eu possa prosseguir com ele dentro de mim.
(Inês Pedrosa - A Eternidade e o Desejo)
quinta-feira, dezembro 20, 2007
Sérgio Godinho - PRIMEIRO DIA
quarta-feira, dezembro 19, 2007
156 anos depois - TURNER
Ao escolher como nome do meu blog "Aguarelas de Turner" fui roubar ao génio da sua obra um pouco de luz, um pouco de emoção, um pouco de liberdade, um pouco de afecto, um pouco de solidão, um pouco de poesia, um pouco de mar, um pouco de cor, um pouco de amor pela natureza e pela vida…
A sua obra sempre me tocara de forma particular. Lembro a emoção que senti com a visita à Tate e a descoberta das imensas telas onde nos vemos em relação com uma natureza bela e quantas vezes aterradora, onde infinitamente pequeno e infinitamente grande parecem tocar-se .http://www.tate.org.uk/britain/turner/
Contudo, a visita à exposição das suas Aguarelas em 2003( Fundação Juan March em Madrid) provocou em mim um fortíssimo impacto pela descoberta que pude fazer da modernidade, do grau de abstracção, da criação de um "território" deixado prepositadamente "em aberto" a quem o vê e o "lê". Revi várias vezes na Gulbenkian esta mesma exposição e, sempre, com o mesmo entusiasmo e vontade de descobrir.
te para prolongar aquele rasto de luz que vem atravessando, teimosamente, as gerações seguintes...nunca sabendo nós até quando...
Esta foi apenas uma nota impressionista que quiz aqui deixar, prometendo trazer, num destes dias, alguns aspectos da sua vida e da sua obra.
terça-feira, dezembro 18, 2007
Poemas para o meu Natal
segunda-feira, dezembro 17, 2007
Um pequeno esclarecimento
Deixo aqui uma referência justa ao trabalho de Seixas Peixoto: http://www.circuloarturbual.com/default.aspx?tabid=245
http://www.cm-montemorvelho.pt/aconteceu_2007/301032007.htm
Reflexos do Olhar VIII (2ªsérie)-salpicos de mar
sábado, dezembro 15, 2007
Reflexos do Olhar VII (2ª série) -céus recortados
sexta-feira, dezembro 14, 2007
Poemas para o meu Natal
Poema panfletário para um natal à la page
Vai morrer esta noite à meia-noite e tanto
de tanto olhar nas montras a ovelha lírica
os burros de neónio sob o céu postiço.
Vai morrer esta noite à meia-noite e tanto.
E nem a vaca psicadélica fará
do seu bafo o sopro que ressurge o barro,
o pó, na forma com que os dedos o modelam.
Vai morrer esta noite à meia-noite, enquanto
o seu duplo robótico ergue a perninha
à distância comandada e molha as palhas
e os sinos de Belém bimbalham jingle bells
o berloque a preço fim-de-estação
o detergente do sovaco a passa o penso
rápido ou outro os candies o cabaz
as laranjas que já foram da lapinha
e agora se alaparam no rumor dos dias
e mais não trazem que o sabor a plástico
- que essa coisa do gosto no pão do povo
deu uvas no verso de um poeta novo
até aos dentes de trincar nozes de fogo.
Vai morrer esta noite à meia-noite . E pronto!
E um pai natal de gravata e accent do sul
ou regional virá nos feixes, sobre as ondas
anunciar a boa-nova a estes tempos:
o fontanário as fitinhas os kilómetros
de asfalto o coreto os milhões do PIB
as siglas várias da pedincha nacional
os Fahrenheit, em suma, que medram o sucesso.
E os Anjos Adjuntos e mesmo os Sem Pasta,
no beija-bota que assegura a eternidade
terrena, entoarão em coro o estribilho:
"Glória ao Senhor na terra, paz a deus na lonjura".
Urbano Bettencourt . Seixas Peixoto ( Lugares Sombras Afectos)
quinta-feira, dezembro 13, 2007
A Minha Árvore de Natal (tal como no ano passado)
Esta árvore foi encontrada acidentalmente numa missão abandonada e semi-destruida pela guerra e pelo abandono dos homens - MISSÃO DE BOROMA- perto de Tete. Achei-a como quem acha um tesouro. Olhei-a e, ainda hoje a olho, como símbolo da vitória da vida sobre a morte. É esta, pois, a Árvore de Natal que trago para todos.
"Moro em Lisboa"- Teresa Salgueiro
quarta-feira, dezembro 12, 2007
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro...
Agora que sinto amor
Tenho interesse nos perfumes.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Se bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.
Alberto Caeiro- O Pastor Amoroso-III
terça-feira, dezembro 11, 2007
Por mais que chova nós inventamos...
Não sei se os corpos têm a mesma chama
passou há muito a luz de Agosto mas
há um sol interior
há uma luz que brilha ainda
uma luz sobre os corpos deitados na cama.
Há um sol que nasce dos gestos ou palavras
uma beleza melancólica nos corpos assim deitados
o mar pode irromper dentro da cama
as ondas são de dentro e de repente
os corpos voltam a arder na mesma chama.
Por mais que chova nós inventamos
um espaço para a árvore e para o pássaro.
não sei que impulso em nós por nós nos chama
talvez ainda amor: uma luz brilha
uma luz sobre os corpos deitados na cama.
Abril de 2003
Manuel Alegre - Doze Naus
segunda-feira, dezembro 10, 2007
Memória de um Natal
domingo, dezembro 09, 2007
AMADO-escritor da Baía
Nem a rosa, nem o cravo...
Jorge Amado
As frases perdem seu sentido, as palavras perdem sua significação costumeira, como dizer das árvores e das flores, dos teus olhos e do mar, das canoas e do cais, das borboletas nas árvores, quando as crianças são assassinadas friamente pelos nazistas? Como falar da gratuita beleza dos campos e das cidades, quando as bestas soltas no mundo ainda destroem os campos e as cidades?
Já viste um loiro trigal balançando ao vento? É das coisas mais belas do mundo, mas os hitleristas e seus cães danados destruíram os trigais e os povos morrem de fome. Como falar, então, da beleza, dessa beleza simples e pura da farinha e do pão, da água da fonte, do céu azul, do teu rosto na tarde? Não posso falar dessas coisas de todos os dias, dessas alegrias de todos os instantes. Porque elas estão perigando, todas elas, os trigais e o pão, a farinha e a água, o céu, o mar e teu rosto. Contra tudo que é a beleza cotidiana do homem, o nazifascismo se levantou, monstro medieval de torpe visão, de ávido apetite assassino. Outros que falem, se quiserem, das árvores nas tardes agrestes, das rosas em coloridos variados, das flores simples e dos versos mais belos e mais tristes. Outros que falem as grandes palavras de amor para a bem-amada, outros que digam dos crepúsculos e das noites de estrelas. Não tenho palavras, não tenho frases, vejo as árvores, os pássaros e a tarde, vejo teus olhos, vejo o crepúsculo bordando a cidade. Mas sobre todos esses quadros bóiam cadáveres de crianças que os nazis mataram, ao canto dos pássaros se mesclam os gritos dos velhos torturados nos campos de concentração, nos crepúsculos se fundem madrugadas de reféns fuzilados. E, quando a paisagem lembra o campo, o que eu vejo são os trigais destruídos ao passo das bestas hitleristas, os trigais que alimentavam antes as populações livres. Sobre toda a beleza paira a sombra da escravidão. É como u'a nuvem inesperada num céu azul e límpido. Como então encontrar palavras inocentes, doces palavras cariciosas, versos suaves e tristes? Perdi o sentido destas palavras, destas frases, elas me soam como uma traição neste momento.
Mas sei todas as palavras de ódio, do ódio mais profundo e mais mortal. Eles matam crianças e essa é a sua maneira de brincar o mais inocente dos brinquedos. Eles desonram a beleza das mulheres nos leitos imundos e essa é a sua maneira mais romântica de amar. Eles torturam os homens nos campos de concentração e essa é a sua maneira mais simples de construir o mundo. Eles invadiram as pátrias, escravizaram os povos, e esse é o ideal que levam no coração de lama. Como então ficar de olhos fechados para tudo isto e falar, com as palavras de sempre, com as frases de ontem, sobre a paisagem e os pássaros, a tarde e os teus olhos? É impossível porque os monstros estão sobre o mundo soltos e vorazes, a boca escorrendo sangue, os olhos amarelos, na ambição de escravizar. Os monstros pardos, os monstros negros e os monstros verdes.
Mas eu sei todas as palavras de ódio e essas, sim, têm um significado neste momento. Houve um dia em que eu falei do amor e encontrei para ele os mais doces vocábulos, as frases mais trabalhadas. Hoje só 0 ódio pode fazer com que o amor perdure sobre o mundo. Só 0 ódio ao fascismo, mas um ódio mortal, um ódio sem perdão, um ódio que venha do coração e que nos tome todo, que se faça dono de todas as nossas palavras, que nos impeça de ver qualquer espetáculo - desde o crepúsculo aos olhos da amada - sem que junto a ele vejamos o perigo que os cerca.
Jamais as tardes seriam doces e jamais as madrugadas seriam de esperança. Jamais os livros diriam coisas belas, nunca mais seria escrito um verso de amor. Sobre toda a beleza do mundo, sobre a farinha e o pão, sobre a pura água da fonte e sobre o mar, sobre teus olhos também, se debruçaria a desonra que é o nazifascismo, se eles tivessem conseguido dominar o mundo. Não restaria nenhuma parcela de beleza, a mais mínima. Amanhã saberei de novo palavras doces e frases cariciosas. Hoje só sei palavras de ódio, palavras de morte. Não encontrarás um cravo ou uma rosa, uma flor na minha literatura. Mas encontrarás um punhal ou um fuzil, encontrarás uma arma contra os inimigos da beleza, contra aqueles que amam as trevas e a desgraça, a lama e os esgotos, contra esses restos de podridão que sonharam esmagar a poesia, o amor e a liberdade!
O texto acima foi publicado no jornal "Folha da Manhã", edição de 22/04/1945, e consta do livro "Figuras do Brasil: 80 autores em 80 anos de Folha", PubliFolha - São Paulo, 2001, pág. 79, organização de Arthur Nestrovski.
http://www.releituras.com/jorgeamado_menu.asp
http://www.releituras.com/jorgeamado_bio.asp
sábado, dezembro 08, 2007
De passagem...por Itapuã-"Um mar que não tem tamanho"
sexta-feira, dezembro 07, 2007
Belos Achados
Foi breve e insuficientemente saboreada a passagem por estes lugares. Queria poder ver, aprendendo, deixando-me ficar a olhar...navegando, a meu belo prazer pelas naves desta belíssima Igreja. É assim que gosto de visitar, mas ncircunstâncias
o permitem. Ficam aqui estes meus olhares rápidos, como um rasto de memória , abrindo o caminho a novos olhares...Nunca se sabe...
quarta-feira, dezembro 05, 2007
Da janela do meu quarto...na Baía
terça-feira, dezembro 04, 2007
Quero apenas ouvir a alegria das crianças...
Referes-me que o mercado é muito colorido. Flutua um cheiro quente a especiarias e tabaco. Rolo de fumo, dizes-me tu.Faz-se com sobras de tabaco e melaço. Era o tabaco que os escravos fumavam, e era também uma das moedas usadas para a compra de escravos. Três rolos por um homem em bom estado. Uma voz brasileira de mulher, junto de nós, diz que dava até dez rolos para achar um homem, mesmo já usado. Calor humano, dizes tu. Cor local. Não te assustes, aconselhas-me tu. Não me conheces, Sebastião. O calor humano nunca me assustou. Gosto desta sensação de corpos que se acotovelam familiarmente, do bruá das vozes misturadas. Dás-me a provar um cigarro de rolo de fumo. É forte, saboroso. Compro um rolo para fumarmos mais tarde em honra da Bahia. Um cardume de pequenas mãos agarram-me a blusa:
- Tem caneta? Me dá caneta, minina.
Peço-te que me conduzas a uma lojeca onde possa comprar canetas e rebuçados para as crianças. Discordas, dizes que se dou a uns terei de dar a outros e nunca mais paro. Respondo-te que comprarei cinquenta esferográficas e dois sacos grandes de bombons, explico-te que não ficarei mais pobre por causa disso. Vais dizer-me que a caridade não resolve nada. Sebastião? Não respondes. Também não pretendo resolver nada, Sebastião. Quero apenas ouvir a alegria das crianças. Prazer meu, pequenino, egoísta, entendes? Gosto de dar. Gosto dessa palavra proscrita: caridade. Acresce que só no Brasil me tratam por menina. E por madama, Duas coisas que me ficam bem.(...)
(Inês Pedrosa- A Eternidade e o Desejo)
segunda-feira, dezembro 03, 2007
Elevador Lacerda
http://pt.wikipedia.org/wiki/Elevador_Lacerda
A beleza do elevador Lacerda( que liga a parte baixa à parte alta da Baía )decorre da ligação que se estabelece entre a sua elegância e altura e toda a envolvente da Baía.
domingo, dezembro 02, 2007
SEU JORGE: "o sentimento que tenho é de dignidade restaurada"
As ruas eram de terra, quando chovia ficava tudo alagado. Não tínhamos uma casa, morávamos numa assoalhada só. Dormíamos todos no chão e o banheiro era lá f0ra. Eu era o mais velho de quatro irmãos, e havia ainda os meus dois irmãos do primeiro casamento da minha mãe.
Que memórias tem da sua infância?
Minha mãe trabalhava muito, limpava, arrumava, lavava roupa para fora. Meu pai trabalhava bastante também, em electricidade, às vezes pegava casas para pintar e passava lá uma semana, porque morávamos longe do centro. E também tocava percussão em clubes, bailes, no Carnaval. Havia um parque de diversões famoso na época, na zona sul do Rio de Janeiro, e meu pai chegou a tocar lá. Era muito legal, porque podíamos andar nos brinquedos. Não costumávamos brincar muito. Fui trabalhar com 10 anos e o trabalho virou a grande brincadeira: ganhar dinheiro!
Mas também estudava. Como foi parar a um colégio particular?
Foi muito difícil, nossa senhora! Havia discriminação, era colégio de branco, de gente rica e era muito complicado conviver e fazer amizades. Eu e os meus irmãos só estávamos ali porque ganhámos uma bolsa. Só tínhamos de comprar o material e o uniforme...mas se faltava dinheiro para comer, imagina material de escola...Na sala de aula, era horrível. A professora dizia«agora quero o livro» e toda a gente botava o livro na mesa, menos eu. Para as primeiras aulas tínhamos material, mas depois o papel acaba, o lápis quebra, a borracha some...Gostava de estudar, mas fiquei tão mal na frequência, nas notas, que perdi um ano e aí perdi a bolsa. No ano seguinte, voltei a perder o ano e tive de pegar o colégio inteiro...E os meus irmãos perderam também, então eram quatro mensalidades. Ficou impossível fomos obrigados a sair. Tinha 12 anos. E já trabalhava desde os dez.
Começou a trabalhar para ajudar em casa, mas também para comprar um saxofone?
. Havia lá uma banda que tocava no 7 de Setembro, dia da independência do Brasil. Via a garotada tocar e o meu pai também...Mas o sax era muito caro, foi impossível de comprar.
Já havia música, na sua vida,nessa altura? A gente nem tinha banheiro, quanto mais rádio. Na minha infância e adolescência ninguém imaginou que ia ser músico. Nunca consegui dizer abertamente « quando crescer quero ser músico», porque isso era um sonho que não se permite a gente como nós. Se dissesse isso, iam rir na minha cara e dizer: « Está maluco?!»Vai arrumar o que fazer.
Mas havia os bailes, na sua adolescência?
Havia uma música muito atraente, a música negra americana. Era a descoberta de menino, de querer ter uma relação social, sair com os colegas, conhecer as meninas e dançar. A minha fixação era dançar.
(....)
Queria dar um jeito de pegar o serviço mais fácil. Pensei que podia ir para a garagem ou ser músico, e a minha unidade tinha uma fanfarra. Era simples : se fosse soldado comum ficava no sol, se fosse corneteiro, ficava na sombra, ao lado do comandante. Pedi para entrar e fui escolhido para o curso de três meses, numa outra unidade para aprender a tocar corneta. Foi muito bom. Nunca mais esqueço o Sargento José...pegava no meu pé, mas foi um grande amigo, um cara que torceu muito por mim.
Porque é que ele pegava no seu pé?
Vamos censurar um garoto com 19 anos? Não tem como. A vida inteira reprimido...Para o serviço militar só vão os pobres, não vai ninguém que é rico-esses dão um jeito de escapar. Não ia concordar em ficar lá limpando, pintando paredes com cal e arrancando mato de paralelipipedo. Podia ser útil se aprendesse outras coisas.
Nem a corneta lhe deu vontade de ficar?
Teria vontade se fosse respeitado como músico. Mas quando voltei do curso, deram-me uma arma. Se quisesse pegar em arma, ficava na favela...
(....)
Foi quando saiu do exército que morreu o seu irmão Vitório?
Já tinha morrido um outro irmão meu, em 1986, numa chacina, e, quatro anos depois, Vitório faleceu, lá na comunidade onde morávamos também numa chacina. Eu estava para fazer 20 anos.
Como se gere uma morte assim?
Não sei. Só sei que queria ficar muito longe dali. Já queria ter saído há muito tempo, mas deu. Depois saímos todos, e separámo-nos. Cada um ficou em casa de um parente de favor. Fui com o meu irmão menor para casa de um tio, onde já estava outro meu irmão. Meu pai também dormia lá, às vezes , minha tia, outra tia... A casa ficou muito cheia e a despesa aumentou. Precisei sair, tinha de reagir, mas não sabia muito bem o que fazer. Tinha acabado de ser expulso do exército, estava sem documentos...Enquanto não vinha uma ideia, fui procurar pela rua o que fazer. Foi aí que conheci Gabriel Moura. Vi-o tocar violão e decidi ser músico. Ser músico era bom para fazer amizades e talvez assim conseguisse arranjar emprego. Comecei a tocar percussão com uns músicos que me deixavam tocar com eles. Não ganhava dinheiro mas tina que comer.
Nessa altura dormia na rua?
É, mas frequentava uns bares onde todo o mundo me conhecia e sabia que eu era do bem, que o meu negócio era música. No final da noite, sempre me davam que comer.
Onde é que dormia?
Onde estivesse mais protegido da chuva, da confusão, onde ficasse mais discreto...Porque era uma vergonha...Chegar com um pedaço de papelão para forrar o chão e deitar...Sem coberta, sem nada...
E sentia medo?
Dá medo da maldade das pessoas....Pegam você, tacam álcool e pegam fogo...
Tentaram uma vez jogar álcool em mim. Acordei assustado, corri para um lado e o cara correu para outro. Depois disso foi difícil acreditar que tinha gente bacana, porque uma pessoa tacar fogo na outra à toa, só para se divertir...Não é um medo, é um receio, você fica todo o tempo com um olho aberto e outro fechado. Literalmente.
(...)
Como foi com os Farofa Carioca?
Saí da rua. Eu cantava. Eram oito caras, mas chegámos a ser trinta e cinco no palco, porque tinha uma companhia de circo, acrobatas, malabaristas, perna de pau...Fiquei dois anos e fizemos um disco. Em 1999, saí por incompatibilidades. Os meninos não me quiseram mais, e reconheço que era difícil. Era imaturo e tinha vontade de ver as coisas a acontecer. A urgência deles para a fama era para amanhã, e eu tinha outra viagem...
(...)
O que fez quando saiu dos Farofa Carioca?
Decidi dar um tempo, fui tocar com outros amigos, conhecer outras pessoas. Era conhecido de um público alternativo. Quando gravei Samba Esporte Fino, em 2001, as pessoas já não se lembravam de que tinha sido o Farofa Carioca. Nesse ano entrei em Cidade de Deus.O disco não saiu por causa do filme. Depois ficou prejudicado outra vez. Ficou um disco raro, que ninguém encontrava. A música Carolina tornou-se muito conhecida. Em 2002 com a estreia de Cidade de Deus as coisas mudaram.
Totalmente. Mas quase não recebia o Fernando Meirelles ( realizador da Cidade de Deus)...Olha que besteira que ia cometer! Tínhamos marcado, mas havia muito trânsito e nada do cara chegar. Falei « ah, vou embora».E ele lá chegou. E eu disse « puxa, acabei de fazer um disco, estou tão entusiasmado». mas ele contou a história, eu sentei cinco minutos e disse «está bem». Achei um desafio. Pensei « vai ser um filme transformador, vai dar muito que falar, vai ser o topo da cadeia alimentar». E é um dos melhores filmes da década! Para mim, foi para a vida. Vou morrer e esse negócio vai ficar para a eternidade. Todos vão lembrar de Marlon Brando, de Scorcese, de Spielberg...E de Cidade de Deus.
(...........)
Cantar temas sociais ainda é importante?
Somos testemunhas de um tempo e as coisas ainda necessitam de transformações. Mas nasce naturalmente. às vezes quero falar de coisas comuns, mas por mais que faça música de amor sempre tem um orelhão(cabine telefónica) escangalhou, um trânsito ruim, sempre tem um negócio social...Não dá para pintar tudo de rosa, tem cores cinza, outras azuis...
É por isso, também, que está a fazer um documentário sobre o trabalhador brasileiro?
Diz-se que o Brasil está crescendo, que a economia está melhorando, então quero saber como o brasileiro tem sentido isso, quais são os seus sonhos, o que esperam do trabalho..Entrevistei médicos, enfermeiras, ambulantes, artesãos, artistas...Minha mulher filma, eu entrevisto. Vou falar com pessoas aqui em Portugal e na Alemanha, para saber como é trabalhar fora do Brasil.
Como é ser olhado de lado na rua, e depois ser uma estrela da música e do cinema?
Quando descobri o violão, achei uma turma e deixei de sofrer rejeição. O sentimento que tenho é de dignidade restaurada. Vejo-me na condição de igual, com toda a minha diferença. não me sinto melhor só porque passei o que passei e hoje sou o que sou. acho que não sou nada, sou mais um ser humano na luta pela dignidade. É poder olhar no olho do meu semelhante e ver o respeito dele por mim, não o seu julgamento, o seu mal entendido.
A sua família também deu a volta por cima?
Estratos da Entrevista feita por Gabriela Lourenço: Seu Jorge músico e actor . Obrigado, Pelé, publicada no nº 769 da Revista Visão) http://clix.visao.pt/pages/default.aspx
( Não sendo Seu Jorge um artista da Baía, o espectáculo a que assisti em Lisboa, antes da minha partida, como que a preparou, e antecipou, de uma forma vivida, a percepção da realidade social com que me confrontei. A publicação desta entrevista é a minha homenagem ao HOMEM que soube vencer sobre a violência , aquela que esmaga, diariamente, milhões de seres humanos.
Nota: não esqueça de ouvir as músicas de Seu Jorge inseridas na minha play list)
sábado, dezembro 01, 2007
Primeira noite na Baía
Ao sabor do Acaso...
Este, foi um dos lugares onde almoçei na Baía. Um primeiro andar de um restaurante italiano - "La Figa"- que me acolheu do sol escaldante, que preparou um prato de marisco agradável e leve, que me atendeu com delicadeza e disponibilidade...permitindo que o almoço com um amigo decorresse da melhor maneira. Como gosto de agarrar o que o acaso me proporciona, adorei descobrir a história do nome do restaurante, bem como esta intercepção cultural que acabou por acontecer. P.S- também provei os sabores fascinantes daqueles lugares (!!!)