sexta-feira, dezembro 14, 2007

Poemas para o meu Natal

(Aguarelas de Turner)

Poema panfletário para um natal à la page


Vai morrer esta noite à meia-noite e tanto
de tanto olhar nas montras a ovelha lírica
os burros de neónio sob o céu postiço.
Vai morrer esta noite à meia-noite e tanto.
E nem a vaca psicadélica fará
do seu bafo o sopro que ressurge o barro,
o pó, na forma com que os dedos o modelam.
Vai morrer esta noite à meia-noite, enquanto
o seu duplo robótico ergue a perninha
à distância comandada e molha as palhas
e os sinos de Belém bimbalham jingle bells
o berloque a preço fim-de-estação
o detergente do sovaco a passa o penso
rápido ou outro os candies o cabaz
as laranjas que já foram da lapinha
e agora se alaparam no rumor dos dias
e mais não trazem que o sabor a plástico
- que essa coisa do gosto no pão do povo
deu uvas no verso de um poeta novo
até aos dentes de trincar nozes de fogo.

Vai morrer esta noite à meia-noite . E pronto!

E um pai natal de gravata e accent do sul
ou regional virá nos feixes, sobre as ondas
anunciar a boa-nova a estes tempos:
o fontanário as fitinhas os kilómetros
de asfalto o coreto os milhões do PIB
as siglas várias da pedincha nacional
os Fahrenheit, em suma, que medram o sucesso.
E os Anjos Adjuntos e mesmo os Sem Pasta,
no beija-bota que assegura a eternidade
terrena, entoarão em coro o estribilho:
"Glória ao Senhor na terra, paz a deus na lonjura".


Urbano Bettencourt . Seixas Peixoto ( Lugares Sombras Afectos)

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