De todos os organismos, o ser humano é, provavelmente, o mais dotado para a comunicação porosa ( física, sensorial e verbal), que estrura o vazio entre dois parceiros e constitui a biologia do ligante. Se se aceitar esta proposta de que estar-com necessita da presença de dois indivíduos ligados por poros, pode-se compreender a experiência da selha de Mesmer, esse médico alemão do séc. XVIII que afirmava curar provocando transes, pelo simples facto de manter cordas atadas a uma selha. Eu imaginava este recipiente como sendo um objecto técnico reduzido à sua simples função, mas quando o vi, fui surpreendido pelas belas cinzeladuras numa linda marchetaria. A beleza do móvel fez-me compreender que Mesmer complicara o problema inutilmente. Contextualizara-o em si acrescentando a elegância do século e racionalizara o fenómeno com a linguagem científica da época, em vez de simplesmente se interrogar por que mistério um indivíduo influencia o próximo. No séc. XVIII, só se podia conceber o ligante enquanto força material, emitida por um organismo e actuando sobre um outro. Na tese de doutoramento apresentada em Viena, em 1766, Mesmer, fortemente inspirado pela física de Newton, assimilara a noção de magnetismo animal ao transporte de uma substância entre os astros. Foi um mau cálculo, pois o fenómeno era tão observável e manipulável, e nessa época os cientistas começavam a exercer-se nele, que a explicação pelo fluído irritou as comissões de peritos nomeadas por Luís XVI. Explicaram as manifestações pela imaginação, e alguns denunciaram o magnetismo animal como uma prática imoral, « perigosa para os costumes». Ao constarem que o fluído não existia, concluíram que o fenómeno só existia na imaginação, no não-real, no sem importância.(cont.)
(Boris Cyrulnik- Do sexto sentido- O Homem e o Encantamento do Mundo)
(Boris Cyrulnik- Do sexto sentido- O Homem e o Encantamento do Mundo)
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