sábado, dezembro 27, 2008

Da consciência-perdoem-me- mas desconfio...

(Magritte)

ESPERAR O INESPERADO

Esperar o inesperado é uma expectativa que se abre sem limites definidos, sem trajectória, sem apostar seja no que for. A esperança não tem nada a ver com este exercício permanente de disponibilidade. Nem, propriamente, a surpresa. Esperança e surpresa estão demasiado contaminadas de humano para poderem participar nesta disponibilidade para o que vier de um lá que nem sabemos onde se situa, onde terá vigência. E, no entanto, a busca do inesperado impõe-se, não pode reduzir-se àquela expectativa que eu tentei traduzir num texto poético: «Amadonada vitralesca, a Noiva do Bairro morreu de doce expectoração à janela.» Foi Heraclito quem muito bem formulou essa imposição: «Se não buscas o inesperado não o encontrarás, que é penoso e difícil encontrá-lo.» Portanto, não esperar mas buscar, o que implica, por parte do agente, um moto próprio. E como buscar o inesperado, ir ao encontro dele, conseguir que ele aceda a nós? Praticando uma estratégia, por assim dizer, do vazio? Não ter e não esperar nada para buscar tudo? Estar aberto, vácuo, livre? Aceitar o que nos chega como se de inesperado sempre se tratasse? Explorar o chamado acaso objectivo, essa forma de manifestação da necessidade exterior que abre um caminho até ao inconsciente humano, como alguém o definiu?
Usando de um prudente relativismo, penso que todas estas interrogações se podem reduzir a uma: que fazer do desejo?
Hoje a maioria de nós vive presa a formas martelantes de vida ( família, trabalho, consumo, cultura), como preservar o nosso desejo naquilo que ele tem de mais imperativo? Porque é através desse potente motor que nós, para nos salvarmos da rotina no que ela tem de mortal, poderemos avançar para mais liberdade.

Da consciência-perdoem-me-mas desconfio. Ela está tão ocidentalmente conformada que não raro, se confunde com a culpa, o remorso, a espiação ou então, com a vaidade, o orgulho, a prepotência. Através do desejo, poderemos buscar o inesperado e encontrá-lo. Parece-me ser a única forma autêntica de libertação. Mas que, nestas filosofâncias, fique bem claro que, quando penso em desejo, não estou a pensar em termos exclusivamente sexuais. O desejo é mais que o apetite. É como o amor: uma forma de sexualidade alargada. Não há comportamento humano que lhe escape.

(Alexandre O'Neill- Uma coisa em forma de assim)

3 comentários:

  1. Sobretudo da consciência tranquila, ou melhor, dos que passam a vida a proclamar que a têm.

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  2. de volta para novas leituras e releituras e desejar-lhe o melhor para 2009.

    um abraço
    maria

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  3. Nesta primeira visita, desejo-lhe um novo ano cheio de paz e alegrias. Até janeiro, um beijo.

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