segunda-feira, dezembro 08, 2008

O meu Natal


(Aguarelas de Turner)

Não escapo ao colectivo desta época, ainda que ambicione não me deixar devorar pela fúria consumista que nos assola, e acaba por nos deprimir, naqueles derradeiros dias em que nos vemos a entrar desesperada e furiosamente na última loja para comprar o último presente...mais um, aquele que ainda faltava. Sem uma tradição católica pessoal entro neste período do ano, como quem regressa ao mágico da infância e procura continuar a recriar para filhos e netos momentos de encantamento e encontro.
Em pequena, os ruídos simulados pelos meus pais, na chegada atribulada do Pai Natal, que tinha de conseguir, antes da descida, o "milagre do emagrecimento", procurando pôr à prova a lógica infantil (mamã se o Pai Natal é tão gordo como é que consegue descer?), deixavam-me quase sem sono, e numa imensa e misteriosa alegria. As primeiras madrugadas que fiz foram seguramente estas. Corria para a chaminé da cozinha, que fora cuidadosamente preparada para este dia tão nosso, ainda a luz mal se via. Os sapatinhos, meus e do meu irmão, engraxados a preceito, lá tinham sido postos de véspera, na esperança de que as nossas cartas, escritas com antecipação bastante, dando conta do nosso bom comportamento e das nossas preocupações com a saúde do Pai Natal ( que tinha de desenvolver tão árduos esforços para continuar a assegurar a tempo e horas esta imensa distribuição) tivessem chegado ao seu destino e fossem reconhecidas como sinceras.
Essas cartas incluíam sempre o pedido de livros, jogos, brincadeiras com as bonecas, construções e, muito raramente, qualquer peça de vestuário. Lembro-me, no entanto, de ter descoberto numa das minhas investigações, olhando o topo superior dos armários, um chapéu de chuva azul, de cabo de metal dourado fosco, espreitando para fora do seu embrulho. Era um verdadeiro chapéu de princesa! Como me senti orgulhosa de o poder abrir junto das minhas amigas!
Foi, contudo, esse chapéu que quebrou o encantamento e que revelou, de um forma tangível, a terrível verdade. O Pai Natal não mais transporia de trenó milhares de kilómetros numa só noite, não mais se mascararia a descer a estreita chaminé, não mais receberia aquelas cartas escritas e decoradas com tanto cuidado. A descoberta, contudo, se trouxera a realidade, fizera-me sentir guardiã de um segredo. Só eu sabia. O meu irmão continuava a ouvir os ruídos da chegada do Pai Natal e a lutar com os colegas da escola que se atreviam a dizer que o Pai Natal não existia.
A partir do ano seguinte já nada ficou como era, mas em nós ficou, para sempre, o encantamento que se vivia em casa naqueles dias. Os presentes nunca eram muitos, mas eram o bastante para nos levar a sonhar. Nas manhãs do dia vinte cinco o relógio quase parava, esperando que mostrássemos aos nossos pais todas aquelas maravilhas!
Ainda hoje o prazer de oferecer está ligado ao encantamento que procuro criar naqueles para quem escolho os presentes. Entretenho-me a imaginar o prazer que poderão encontrar no desembrulhar, ora cuidadoso ora precipitado, dos maravilhosos embrulhos. No que a mim diz respeito, alegro-me muito, quando descubro, através de um presente, por mais minúsculo que seja, como me souberam adivinhar...

5 comentários:

  1. Como me revi nestas memórias de palavras certas!

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  2. Linda mensagem, e concordo com você que, o melhor presente é aquele que nos emociona, porque tocou em nós uma aproximação, um afeto, e este não tem preço.

    bjs.

    JU Gioli

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  3. Também me revi neste belo texto.
    Com a diferença de que, lá em casa, não se falava e, Pai Natal mas sim em Menino Jesus.
    Para mim, o encantamento acabou quando, junto de um embrulho com chocolates estava um bilhete com a mensagem "comer poucos de cada vez" na letra inconfundível ...do meu pai...

    Hoje, como as "crianças" da família já estão todas muito crescidas, os presentes já quase não circulam. Fica o convívio e o encontro à volta da mesa...

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  4. Como é bom revisitar estas memórias, cheias de aromas a canela e frio nos cantos da janela.

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