domingo, novembro 02, 2008

Pegado aos outros como musgo...



Ao Vasco da Costa Marques


Agarro um gesto, uma presença, um duro
olhar de espanto. Aqui, entre as serenas
angústias tristes, é que audaz perduro.
Abro o caminho sem remorso ou pena.

Espaço em branco destes dias, muro
frágil de sonhos, onde encosto apenas
o corpo exausto, donde dependuro
esperanças breves, pobres e pequenas.

Lírica paz, renego-a em sofrimento.
Dobrado vivo para fora, arrasto
as mãos vazias sobre arestas, rugas.

Pegado aos outros, como musgo, tento
crescer à míngua, verme só, de rastos,
entre desejos, lutas, mortes, fugas.

(José Augusto Seabra - A Vida Toda. 1939-2004 )

Conheci pessoalmente, muito tardiamente, José Augusto Seabra. Ouvi-o falar, com paixão, sobre Pessoa e, deixei-me apaixonar pelas suas palavras e por todo o seu vigor. Jantámos depois, mais tarde, e o prazer da sua companhia foi enorme. A noite tornou-se curta, e desejo de continuar a ouvi-lo a discorrer ficou em mim. Estava cá de passagem. No dia seguinte partiria, de novo, rumo a Paris, se não me engano. Foi com uma tristeza imensa que, um ano e tal depois, soube da sua morte fulminante. Só o conheci naquele dia mas soube que era um homem bom.
Fica aqui a minha lembrança.

1 comentário:

  1. Eu também estive duas ou três vezes com ele, e uma delas também num jantar. A última vez que lhe falei, ao telefone, deu-me a notícia de que fora nomeado embaixador em Bucareste. Eu, que por vezes cometo as minhas gaffes, disse-lhe qualquer coisa como «não sei se lhe hei-de dar os parabéns...» (A Roménia há doze ou quinze anos estava numa situação complicada...). Tenho uma edição da «Mensagem» da Unesco que ele me ofereceu. Era uma pessoa muito cativante e partiu demasiado cedo.

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