quarta-feira, setembro 10, 2008

Tão-pouco sabia porque as guardava assim....

(Gatineau)
Depois do meio-dia, o tempo correu veloz. Pela meia-tarde já ela tinha experimentado o vestido de noiva várias vezes, para o tornar a vestir rapidamente, pensando ser demasiado cedo para se aprontar. Da última vez desdobrou-o com todo o cuidado em cima da cama, ao lado das meias de seda, dos sapatinhos de pelica, do véu arrendado e das roupas interiores de seda, tudo branco.
Nem na cama, nem em qualquer outro sítio do quarto havia lugar onde ela se pudesse deitar para repousar. Voltou para a cadeira, a olhar minuto a minuto o relógio da cómoda, e depois para fora da janela, onde o ar continuava cheio de folhas de bordo que vinham, rodopiando, bater nas vidraças, para ir cair em baixo, no relvado.
A certa altura, deslumbrada pela beleza dos reflexos vermelhos que a folhagem fazia perpassar nas paredes, correu à janela, levantou a guilhotina e curvou-se para fora, a apanhar nas mãos quantas folhas podia. Tornou a avistar o irmão: continuava a martelar pregos nos bancos, rntre os troncos dos bordos. Desejou chamá-lo, dizer-lhe que parasse de trabalhar e subisse ao quarto dela. Quando teve consciência de que estava prestes a fazer, desatou a tremer com tal violência que se assustou. Antes que ele a avistasse, tornou a fechar a janela e atravessou o quarto a correr, com os braços carregados de folhas vermelhas e amarelas; parou junto da cama e começou a soltá-las devagar, uma a uma sobre a brancura luminosa das roupas de noivado. Não sabia porque o fazia, a não ser que gostava de as ver cair e espalhar-se sobre a alvura das sedas. Pareceu-lhe que a cor da folhagem tornava mais bela que nunca a textura das roupas.
Passado um pouco, inclinou-se a recolher as folhas uma a uma, depois levou-as para a cómoda e meteu-as na boceta das jóias. Tão-pouco sabia porque as guardava assim, nem porque pensava em as levar consigo: sabia apenas que desejava conservá-las, mais do que outro objecto do seu quarto. Quando estivessem na casa nova, ela e o Frank, havia de tirá-las da caixa e espalhá-las na cama, e a vista delas havia de a fazer chorar.(...)
Mas, fosse qual fosse a razão do encanto daquelas folhas, sabia que as ia guardar para sempre.

(Erskine Caldwell- Uma Luz ao escurecer)

1 comentário:

  1. Um excerto de um dos escritores da minha juventude.
    Aqui a evocar a dificuldade que muitas vezes a pessoa sente em cortar definitivamente amarras.

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