sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Leve como uma pluma,alta como uma torre, quente como um ninho...

(Demuth)

A Casa feita de sonho

Leve como uma pluma, alta como uma torre, quente como um ninho, e doce como o mel, assim imaginei desde pequeno a minha casa.

Mais tarde, quando me encontrei só no mundo, como não tinha dinheiro, resolvi construí-la com as próprias mãos.

Fiz primeiro a minha casa de papel, que é um material barato. E assim que ficou pronta, vieram todos os ventos da Terra e levaram a minha casa de papel, leve como uma pluma.

Fiquei sem casa. Mas não desisti. Pensei muito, e fiz então a minha casa à beira-mar, com areia da praia, que é um material barato.

Mal estava pronta, vieram todas as marés do mundo e levaram a minha casa de areia, alta como uma torre.

Deu-me vontade de desistir, mas eu precisava de uma casa, e sobretudo não podia desistir do meu sonho.

E resolvi fazer a minha casa de madeira, que é um material barato. Cortei-a dos bosques com as próprias mãos. Ficou linda! ... Escondida entre a folhagem...

Mas ainda mal a tinha acabado, vieram todos os fogos do Céu e queimaram a minha casa de madeira, quente como um ninho.

Chorei sobre as cinzas , como se chora uma pessoa querida que morreu. Mas mesmo assim, não desisti. Pensei muito, e resolvi fazer a minha casa de açúcar.

- De açúcar? Mas açúcar não é um material barato!

- Pois não... Mas eu precisava de uma casa, e sobretudo não podia desistir do meu sonho, não acham?

Trabalhei, lutei, passei fome, para juntar todo o açúcar necessário. E quando a minha casa estava pronta, - eram de açúcar as paredes, o chão, o tecto, os móveis, as portas e as janelas – vieram todos os bichos da terra, e devoraram a minha casa de açúcar, doce como o mel.

Fiquei sem casa... E desisti de a construir com as próprias mãos.

- E onde mora?

- Onde moro eu? Sei lá!... Vou pelo mundo... Aqui, além, no bosque, à beira mar...

- Então não tem casa?!

- Tenho, sim! Eu podia lá desistir do meu sonho!

Resolvi imaginá-la. Num sítio onde não chega o vento, nem o mar, nem o fogo, nem os bichos da terra.

Fiz a minha casa com o meu próprio sonho. Ficou linda! Leve como uma pluma, alta como uma torre, quente como um ninho, e doce como o mel...



Ricardo Alberty

in

‘Os quatro corações do coração’

colecção Cabra-Cega,

Afrodite, 1968




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Enviado por Amélia Pais
http://barcosflores.blogspot.com/

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