Durante longos minutos o outro ergueu para ele o olhar fixo e vazio, com a expressão de alguém que se contempla num espelho. Augusto acabou por compreender o que lhe ia no espírito.« Sou eu, Augusto», exclamou docemente.
« Eu sei. És tu...mas também podias ser eu. Ninguém notará a diferença. E contudo tu és grande e eu nunca fui ninguém.»
« Estava a pensar nisso mesmo», disse Augusto, sorriso pensativo nos lábios.« É esquisito, não é? Um pouco de tinta gordurosa, uma bexiga, uns trapos carnavalescos- e não é preciso mais para uma pessoa se transformar em ninguém !É o que nós somos- ninguém. E ao mesmo tempo toda a gente. Não é a nós que eles aplaudem, mas a eles próprios. Meu velho, tenho de me ir embora, mas antes deixa-me dizer-te uma pequena coisa que aprendi há pouco...Sermos nós próprios, unicamente nós próprios, é algo extraordinário. Mas como chegar a isso, como alcançá-lo? Ah!, eis o truque mais difícil de todos. Difícil, exactamente porque não envolve esforço. Tentas não ser isto nem aquilo, nem grande nem pequeno, nem hábil, nem desajeitado...estás a perceber? Fazes o que te vem à mão. De boa vontade, bien entendu. Porque não nada há que não tenha a sua importância. Nada. Em vez de risos e aplausos recebes sorrisos. Pequenos sorrisos de satisfação- e é tudo. Mas é justamente o próprio tudo...mais do que alguém pode pedir.(cont.)
(Henry Miller- O Sorriso aos pés da escada)
« Eu sei. És tu...mas também podias ser eu. Ninguém notará a diferença. E contudo tu és grande e eu nunca fui ninguém.»
« Estava a pensar nisso mesmo», disse Augusto, sorriso pensativo nos lábios.« É esquisito, não é? Um pouco de tinta gordurosa, uma bexiga, uns trapos carnavalescos- e não é preciso mais para uma pessoa se transformar em ninguém !É o que nós somos- ninguém. E ao mesmo tempo toda a gente. Não é a nós que eles aplaudem, mas a eles próprios. Meu velho, tenho de me ir embora, mas antes deixa-me dizer-te uma pequena coisa que aprendi há pouco...Sermos nós próprios, unicamente nós próprios, é algo extraordinário. Mas como chegar a isso, como alcançá-lo? Ah!, eis o truque mais difícil de todos. Difícil, exactamente porque não envolve esforço. Tentas não ser isto nem aquilo, nem grande nem pequeno, nem hábil, nem desajeitado...estás a perceber? Fazes o que te vem à mão. De boa vontade, bien entendu. Porque não nada há que não tenha a sua importância. Nada. Em vez de risos e aplausos recebes sorrisos. Pequenos sorrisos de satisfação- e é tudo. Mas é justamente o próprio tudo...mais do que alguém pode pedir.(cont.)
(Henry Miller- O Sorriso aos pés da escada)
Só mesmo a amiga para se dar ao trabalho de nos trazer aqui esta obra magnífica- vai continuar até final, suponho...Escolhe também muito bem as ilustrações. Obrigada e boa «quaresma», que é tempo de penitência para os crentes cristãos e para que o corpo pague os eventuais excessos do resto do ano...( brinco, claro, pois acho, ao contrário do que por aí se diz,que se pode e deve brincar com coisas, sérias ou não...e é o que nos vai valendo nestes tempos...)-)
ResponderEliminarÉ também uma forma de a reler e de a pensar! Quanto às ilustrações é " de boa vontade, bien entendu",i.e., dá-me imenso prazer.Quanto ao resto temos mesmo de brincar,e voltar a brincar, e brincar de novo...Não há outra saída, a menos que o brincar tb seja "apreendido":))
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ResponderEliminarPeço desculpa mas tive necessidade de remover os dois comentários anteriores, porque não estavam correctamente identificados.
ResponderEliminarAqui vai de novo:
A partir do momento em que enfrentamos o espelho, passamos a ser, também, "o outro que sou eu".
Mais uma poderosa reflexão sobre a arte e sobre a identidade pessoal.
ResponderEliminarQue dá muito que pensar (é essa a missão dos grandes artistas, não é?).