segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Ele arrecadava como grão maduro no celeiro...

(Picasso)
Ajudar a erguer a lona, desenrolar os grandes tapetes, instalar os acessórios, almofaçar os cavalos e dar-lhes de beber, cuidar das mil e uma tarefas que lhe eram pedidas- tudo representava para Augusto uma pura alegria. Entregava-se por completo, abandonava-se na execução das humildes tarefas que lhe preenchiam os dias. Uma vez por outra permitia-se o luxo de assistir, como simples espectador, às actuações dos artistas, observando com novos olhos a perícia e a coragem dos companheiros. A mímica dos palhaços intrigava-o particularmente-mudo espectáculo cuja linguagem lhe surgia agora mais eloquente do que quando ele era do ofício. Experimentava uma sensação de liberdade a que perdera o direito como executante. Oh! mas era bom desembaraçar-se do papel, mergulhar inteiramente na monotonia da vida, transformar-se em pó, e apesar disso...bem, saber que ainda fazia parte daquilo tudo, útil ainda, talvez assim ainda mais útil. Que egotismo ter pensado que só porqu fizera rir e chorar as pessoas lhes havia concedido um grande benefício! Já não recebia aplausos, tempestades de riso, adulações. recebia algo mil vezes melhor, um alimento bem substancial- sorrisos. De agredecimento? Nada disso; sorrisos de consideração. De novo o aceitavam como um ser humano, e por si próprio, por fosse o que fosse que o destinguia dos seus semelhantes e ao mesmo tempo o ligava a eles. O mesmo era que receber dinheiro miúdo- para o coração maior conforto, quando se tem necessidade, do que as notas de banco.
Com tais sorrisos de afecto, que ele arrecadava como grão maduro no celeiro, Augusto não parava de se expandir, de florescer de novo. Dotado de uma inesgotável generosidade, ansiava por fazer sempre mais do que lhe era pedido. Nunca seria demasiado-assim pensava. (cont.)

(Henry Miller- O sorriso aos pés da escada)

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