sexta-feira, novembro 30, 2007

Conheço-o pelo aroma...

(Aguarelas de Turner) Pôr do Sol na Baía

A Eternidade e o desejo, são duas coisas parecidas, que ambas retratam com a mesma figura. Os Egípcios nos seus Geroglíficos, e antes deles os Caldeus, para representar a Eternidade pintaram O: porque a figura circular não tem princípio, nem fim; e isto é ser eterno. O desejo ainda teve melhor pintor, que é a natureza. Todos os que desejam, se o afecto rompeu o silêncio e do coração passou à boca, o que pronunciam naturalmente é O.

Cesso de ver. Os espíritos desmoronam-se e eu regresso às minhas trevas. A música dos atabaques conduz-me, porém, para longe da angústia. Alguém pede licença para se sentar ao meu lado. Conheço-o pelo aroma, conheço-o quando lhe sinto a sua coxa encostada à minha, já o reconhecera quando a sua voz me diz boa noite, menina Clara. Emanuel. Sussurra-me que conhece a mãe-de-santo que me abraçou. Mãe Marianinha. Diz-me que ela quer falar comigo.
Que ela é, desde há muito tempo a sua guia espiritual, e está curiosa comigo. Curiosa? E porquê comigo? Emanuel murmura que lhe falou de mim. E que eu não vim à Bahia só atrás da talha dourada e das histórias de outros séculos. Diz-me que há muitas coisas debaixo do céu. Respondo-lhe que sim, que falarei com ela. Não aqui, não agora, cicia Emanuel. Depois. Noutra hora. Vira-me a palma da mão, põe-me qualquer coisa pegajosa e fria. Diz que é ebo, o alimento do orixá, milho branco cozido só com água, sem temperos. Diz-me que coma, que vai fazer-me bem. Como.(...)

(Inês Pedrosa- A Eternidade e o Desejo)


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