A ilusão da eternidade, dizia-me Rosa quando lhe confessei o meu amor: queres que o nosso abraço nos iluda quanto a uma entrega de ambos a esse sentimento que se confunde com a vida; mas não vês que o amor não passa de uma relação física, de algo que serve apenas os interesses da reprodução da força de trabalho, e quanto muito uma distracção das verdadeiras preocupações de amar a revolução? Talvez essa revolução, que tinha o fulgor abstracto da palavra proibida, não fosse mais do que uma outra designação de Cristo, ou de qualquer um dos deuses a quem os homens entregaram a sua existência? Se eu lhe tivesse falado de Antónia Margarida, ver-se-ia ela no lugar dessa mulher que abandonou a situação social que tinha, a família, o nome, para se transformar numa serva anónima de um convento, condenada a ser um número inscrito numa laje de pedra onde os seus ossos iriam ficar para sempre, como sinais de uma existência inútil para o mundo exterior? Pensa, diz-me ela, naqueles que entram numa manifestação de massa, nos que saem às ruas para enfrentar a polícia? Quantos não morrem, depois desse acto? E os seus corpos são recolhidos, tão anónimos como os desses religiosos de que falas. O que importa é o sonho, e não quem acredita nele; e se o seu sacrifício é necessário para que a luta avance, devem entregar-se sem hesitação, e abdicar por completo de tudo o que se pareça com uma individualidade, um projecto pessoal.
Anos mais tarde, quando me disseram que a Rosa vivia sozinha, que procurava alunos para explicações que lhe permitissem sobreviver, que bebia para esquecer a solidão, tive dificuldade em acreditar. Mas lembrei-me que os tempos mudaram; e hoje a utopia já não tem lugar. Por isso Antónia Margarida(1) se refugiara no convento; e ao entrar no jogo da sinceridade, escrevendo e reescrevendo a sua vida para que os confessores pudessem compreender os nexos das suas acções, criou o personagem que hoje conhecemos, sempre com a dúvida sobre se é realidade ou ficção o que estamos a ler(....)
(Nuno Júdice-os passos da cruz)
(1)-http://www.aph.pt/uf/uf_0504.html
Anos mais tarde, quando me disseram que a Rosa vivia sozinha, que procurava alunos para explicações que lhe permitissem sobreviver, que bebia para esquecer a solidão, tive dificuldade em acreditar. Mas lembrei-me que os tempos mudaram; e hoje a utopia já não tem lugar. Por isso Antónia Margarida(1) se refugiara no convento; e ao entrar no jogo da sinceridade, escrevendo e reescrevendo a sua vida para que os confessores pudessem compreender os nexos das suas acções, criou o personagem que hoje conhecemos, sempre com a dúvida sobre se é realidade ou ficção o que estamos a ler(....)
(Nuno Júdice-os passos da cruz)
(1)-http://www.aph.pt/uf/uf_0504.html
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