É muito provável que a informação que se consegue nos jornais - e cada
vez mais nos livros e nas revistas - tenha pouca relevância ou seja já
do conhecimento de qualquer pessoa informada. Tirando aspectos
específicos de áreas muito localizadas, ou os acontecimentos do dia que
as agências noticiosas vão recolhendo do imprevisível, os jornais
enchem-se de informação reciclada que não cativa um leitor mais exigente
que chega a aborrecer-se com a sensação de tempo (e dinheiro) perdido.
Esta noção poderia conduzir a uma efectiva redução da leitura dos
jornais, e é provavelmente isso que está a acontecer.
Os meios audiovisuais como a televisão ou a rádio têm uma capacidade de
actualização de notícias que faz os jornais parecerem, na leitura da
manhã, objectos históricos. A única vantagem que os jornais têm é uma
espécie de acesso directo àquilo que interessa, que pressupõe da parte
do leitor uma maior liberdade do que no caso do acesso sequencial da
rádio e da televisão. A televisão ganha ao informar o espectador que não
tem ideia da informação que quer, que está disponível para a
arbitrariedade do emissor, e é, portanto, um leitor que à partida não
faz questão de seguir um caminho seu e filtrar aquilo que vê. A
multiplicação dos canais televisivos, que poderia configurar uma
liberdade de escolha, mais não é que um multiplicador de imposições. Num
sistema com cinquenta canais facilmente se 'desperdiça' a meia hora de
atenção disponível para "ver" num 'zapping' desenfreado e inútil à
procura da 'melhor' coisa que está a 'dar'. Cria-se a impressão de
liberdade numa jaula de opções que se limitam reciprocamente.
A surpresa da 'internet' é dada pela sensação de autonomia de quem a
utiliza. O acesso é directo. Entre os acontecimentos e a sua
'publicação' o tempo é mínimo, podendo em alguns casos o acontecimento
ser seguido em tempo real. O acontecimento não tem a obrigatoriedade de
ser universalmente relevante para ser mostrado - basta que seja
relevante para quem o publica - podendo ir ao encontro do gosto peculiar
de um único leitor, dando por isso peso idêntico ao popular e ao
marginal. A informação permanece disponível sem degradação nem tempo de
exposição determinado pelos interesses de um emissor particular: a
'internet' é um livro na estante à espera da nossa disponibilidade, não
nos pressionando nem ameaçando a nossa independência. E, talvez mais
importante ainda, a 'internet' coloca-nos a possibilidade de ser tão
emissores como receptores, a anos luz da limitada participação das
cartas ao director. A 'internet' é um EDITAL em que todos podemos
inserir o nosso prospecto sabendo que tem o potencial de ser visto no
mundo inteiro.
Estes potenciais que vemos hoje como difíceis de perder ou de serem
ultrapassados, não são mais do que a generalização - na proposta aldeia
global - do processo comunicativo entre as pessoas. E, visto nesta
perspectiva benigna, assemelha-se ao melhor dos mundos. Mas é sabido que
mesmo os melhores dos mundos que se vêm revezando ao longo da história
tiveram sempre os seus poderosos lados negativos. Nem sei se é justo
falar em lados negativos quando fazem parte das características que
enformam toda e qualquer actividade humana, que tem o destino de ocorrer
sempre no estreito intervalo entre o brilho e o nada*.
Aquilo que é o maior bem da 'internet' é também o seu maior 'mal': a
dimensão. A informação é tanta que se torna impossível saber o que é
relevante. E nem vale a pena pensar em saber qual da informação é
verdadeira, porque aí, como nas outras formas de transmissão da
informação, a probabilidade de estar perante uma fraude é muito elevada.
O 'blog' não é mais do que um 'site' em que foi reduzida ao mínimo a
dificuldade de edição. O preço a pagar por essa simplicidade é o
estabelecimento de uma interface relativamente rudimentar quando
comparada com os potenciais que hoje estão disponíveis para um 'site'
clássico. Mas a simplicidade compensa porque permite o acesso à
publicação na internet a pessoas que não têm vocação nem interesse em
mergulhar nas crípticas linguagens dos computadores. Foi essa
simplicidade, consequência da generalização da internet universitária à
'world wide web' aberta ao mundo 'civil', que permitiu a explosão de
emissores que a actualidade está a conhecer.
Uma matriz que parece manter-se nas sucessivas gerações de utilizadores
e modelos da rede é a formação de comunidades. De uma maneira ou de
outra a necessidade de aproximação ao 'outro' é o motor de todas as
formas de comunicação e a porta que a internet abriu tem uma dimensão
que ultrapassa todas as previsões. A democratização da
bidireccionalidade coloca-nos a todos no caos ensurdecedor de um
gigantesco café em que todos falam ao mesmo tempo que tentam escutar
alguma coisa. Ao contrário dos outros meios em que a hierarquia
comunicacional está bem definida, na internet ela é apenas rudimentar e
dá ao leitor a hipótese de se submeter ou não conforme o seu gosto ou
disposição. É esse estreito caminho de liberdade - apesar dos enormes
esforços que estão a ser feitos para a domesticar - que pode conceder à
internet o estatuto de refúgio último para aqueles que já perderam a
esperança de uma sociedade de valores elevados e se vêem cada vez mais
empurrados para a margem das decisões políticas e sociais. Agrada-me
imaginar a internet como um subterrâneo onde se vão conservar pelo tempo
que for necessário, as ideias clássicas que a barbárie quer abolir nesta
escura idade média que atravessamos.
*Gosto de pensar a existência de vida na terra como uma metáfora do
percurso humano. Apesar de existir um Universo com tendência para
infinito, o intervalo em que a vida é possível é tão estreito que numa
escala cósmica é indetectável. Para mim esta solidão cósmica é a
maravilha maior, por se ter formado a complexidade num estreito nicho de
possibilidade.
ZUMBIDO http://z1bido.blogspot.com/
(tomei a liberdade de usar aqui o azul - Addiragram)
Um grande obrigada ao teu contributo!Antes de nos deixarmos abater por um conformismo mortífero tentamos aproveitar esta réstia estreita de liberdade.Ilusória talvez,mas Única porque nossa.
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