terça-feira, outubro 03, 2006

Conversemos um pouco...


(Rembrandt)

-Estás com sono?
- Não, senhor.
- Nem eu;conversemos um pouco. Abre a janela. Que horas são?
- Onze.
- Saíu o último conviva do nosso modesto jantar. Com que então, meu peralta, chegaste aos teus vinte e um anos. Há vinte e um anos, no dia 5 de Agosto de 1854, vinhas tu à luzum pirralho de nada, e estás homem, longos bigodes, alguns namoros...
- Papai...
- Não te ponhas com denguices, e falemos como dois amigos sérios. Fecha aquela porta; vou dizer-te coisas importantes. Senta-te e conversemos. Vinte e um anos, algumas apólices, um diploma, podes entrar no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes. Há infinitas carreiras diante de ti. Vinte e um anos, meu rapaz, formam apenas a primeira sílaba do nosso destino. Os mesmos Pitt e Napoleão, apesar de precoces, não foram tudo aos vinte e um anos. Mas, qualquer que seja a profissão da tua escolha, o meu desejo é que te faças grande e ilustre, ou pelo menos notável, que te levantes acima da obscuridade comum. A vida, Janjão, é uma enorme lotaria; os prémios são pucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças da outra. Isto é a vida; não há planger, nem imprecar, mas aceitar as coisas integralmente, com seus onus e percalços, glórias e desdouros, e ir por diante.
- Sim,senhor.
- Entretanto, assim como é de boa economia guardar um pão para a velhice, assim também é de boa prática social acautelar um ofício para a hipótese de que os outros falhem, ou não indemnizem suficientemente o esforço da nossa ambição.É isto o que te aconselho hoje, dia da tua maioridade.
- Creia que lhe agradeço; mas que ofício, não me dirá?
- nenhum me parece mais útil e cabido que o do medalhão. Ser medalhão foi o sonho da minha mocidade, faltaram-me, porém instruções de um pai, e acabo como vês, sem outra consolação e relevo moral, além das esperanças que deposito em ti. Ouve-me bem, meu querido filho, ouve-me e entende.És moço, tens naturalmente o ardor, a exuberância, os improvisos da idade; não os rejeites, mas modera-os de modo a que aos quarenta e cinco anos possas entrar francamente no regime do aprumo e do compasso.
O sábio que disse"a gravidade é um mistério do corpo", definiu a compostura do medalhão. Não confundas essa gravidade com aquela outra que, embora resida no aspecto, é um puro reflexo ou emanação do espírito; essa é do corpo, tão-somente do corpo, um sinal da natureza ou um jeito da vida. Quanto à idade de quarenta e cinco anos... (continua).
Machado de Assis(Teoria do Medalhão-diálogos)

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