Desci para confortar Emília.
Encontrei-a com o belo e agradável rosto. Fazia lembrar, talvez ,o de Proserpina de Dante Gabriel Rossetti- apoiado numa mão que segurava um lenço lilás; a mesma posição em que a tinha deixado horas antes. A nossa conversa não foi substancial. Declarou-me , isso sim, que o Doutor Cornejo tinha insistido em passar um bocado a sós com a morta.Emilia não tinha consentido.
Voltei ao hall. Cornejo, rigidamente sentado numa cadeira moderna, estudava, com óculos, lápis e papel, um copioso volume. Quando encontro alguém a ler, o meu primeiro impulso é tirar-lhe o livro das mãos. Proponho ao curioso o exame deste sentimento de atracção pelos livros ou impaciência por me ver deslocado do centro das atenções?Resignei-me a perguntar-lhe o que estava a ler.
- Um livro a sério- respondeu.-Um guia dos caminhos de ferro. Tenho estruturado na mente um plano do país ( limitado à rede ferroviária, naturalmente) que aspira a englobar as localidades mais insignificantes, com as suas respectivas distâncias e as horas de viagem...
- O senhor interessa-se pela quarta dimensão. O espaço-tempo- declarei.
Manning observou enigmaticamente:
- A literatura de evasão, diria eu.
Atuel olhava a janela. Chamou-nos. Por entre um lívido ciclone de areia vimos chegar o Rickenbacker. Pela primeira vez no dia, ri-me. Confesso-o: a comicidade da cena que se desenrolou com cinematográfica diligência era aflitiva. Do automóvel desceram uma, duas, três, quatro ...seis pessoas. Acotevelaram-se contra uma das portas traseiras do carro. Laboriosamente retiraram um objecto comprido e escuro. A lutar e esfalfados pelo vento, disformes, devido ao efeito do vidro nos nossos olhares oblíquos, a tactear, como se fosse de noite, tropeçando na areia, vi-os - com os olhos embaciados pelo choro e riso- aproximarem-se do hotel. Traziam o caixão.
(Silvina Ocampo & Adolfo Bioy Casares- Quem ama, odeia)
Encontrei-a com o belo e agradável rosto. Fazia lembrar, talvez ,o de Proserpina de Dante Gabriel Rossetti- apoiado numa mão que segurava um lenço lilás; a mesma posição em que a tinha deixado horas antes. A nossa conversa não foi substancial. Declarou-me , isso sim, que o Doutor Cornejo tinha insistido em passar um bocado a sós com a morta.Emilia não tinha consentido.
Voltei ao hall. Cornejo, rigidamente sentado numa cadeira moderna, estudava, com óculos, lápis e papel, um copioso volume. Quando encontro alguém a ler, o meu primeiro impulso é tirar-lhe o livro das mãos. Proponho ao curioso o exame deste sentimento de atracção pelos livros ou impaciência por me ver deslocado do centro das atenções?Resignei-me a perguntar-lhe o que estava a ler.
- Um livro a sério- respondeu.-Um guia dos caminhos de ferro. Tenho estruturado na mente um plano do país ( limitado à rede ferroviária, naturalmente) que aspira a englobar as localidades mais insignificantes, com as suas respectivas distâncias e as horas de viagem...
- O senhor interessa-se pela quarta dimensão. O espaço-tempo- declarei.
Manning observou enigmaticamente:
- A literatura de evasão, diria eu.
Atuel olhava a janela. Chamou-nos. Por entre um lívido ciclone de areia vimos chegar o Rickenbacker. Pela primeira vez no dia, ri-me. Confesso-o: a comicidade da cena que se desenrolou com cinematográfica diligência era aflitiva. Do automóvel desceram uma, duas, três, quatro ...seis pessoas. Acotevelaram-se contra uma das portas traseiras do carro. Laboriosamente retiraram um objecto comprido e escuro. A lutar e esfalfados pelo vento, disformes, devido ao efeito do vidro nos nossos olhares oblíquos, a tactear, como se fosse de noite, tropeçando na areia, vi-os - com os olhos embaciados pelo choro e riso- aproximarem-se do hotel. Traziam o caixão.
(Silvina Ocampo & Adolfo Bioy Casares- Quem ama, odeia)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Não são permitidos comentários anónimos