Turner na liberdade das suas aguarelas dá-nos a emoção do olhar e do sentir em estado puro.Este espaço propõe-se convocar, pela voz dos que sabem, múltiplos instantes de vida: luz e sombra; esquecimento e memória; vida e morte...
"Seja qual fôr o caminho que eu escolher um poeta já passou por ele antes de mim"
S. Freud
quarta-feira, janeiro 30, 2008
Paganini- caprice 24- HEIFETZ
terça-feira, janeiro 29, 2008
Le songe et le réel s'y mêlent tous les deux....
Reflexos do Olhar XIX- A bordo
segunda-feira, janeiro 28, 2008
Há quem diga que olha com todo o corpo....
Na escada da Torre da Vitória, vive desde o princípio do tempo o A Bao A Qu, sensível aos valores das almas humans. Vive em estado letárgico, no primeiro degrau, e apenas goza de vida consciente quando alguém sobe a escada. A vibração da pessoa que se aproxima infunde-lhe vida e uma luz interior insinua-se nele. Ao mesmo tempo, o seu corpo e a sua pele quase translúcida começam a mover-se. Quando alguém sobe a escada, o A Bao A Qu coloca-se quase nos calcanhares do visitante e sobe agarrado na borda dos degraus curvos e gastos pelos pés de gerações de peregrinos. Em cada degrau intensifica-se a cor, a sua forma aperfeiçoa-se e a luz que irradia é cada vez mais brilhante. Um testemunho da sua sensibilidade é o facto de que só obt~em a sua forma perfeita no último degrau, quando o que sobe é um ser evoluído espiritualmente. Se assim não for, o A Bao A Qu fica paralisado antes de chegar, o seu corpo incompleto, a sua cor indefinida e a luz vacilante. O A Bao A Qu sofre quando não consegue formar totalmente e a sua queixa é um rumor apenas perceptível, semelhante ao roçar da seda. Mas quando o homem ou a mulher que o revivem estão cheios de pureza, o A Bao A Qu pode chegar ao último degrau já completamente formado e irradiando uma viva luz azul. O seu regresso à vida é muito breve, pois ao descer o peregrino, o A Bao A Qu roda e cai até ao degrau inicial, onde já apagado e semelhante a uma lâmina de contornos vagos espera pelo próximo visitante. Só é possível vê-lo bem quando chega a meio da escada, onde o prolongamento do seu corpo, que uma espécie de bracinhos ajudam a subir, se definem com clareza. Há quem diga que olha com todo o corpo e que o tacto recorda a pele do pêssego, No decorrer dos séculos, o A Bao A Qu chegou uma só vez à perfeição.
O capitão Burton regista a lenda do A Bao A Qu numa das notas da sua versão d'As Mil e Uma Noites.
(Jorge Luis Borges e Margarita Guerrero - O Livro dos Seres Imaginários. 1967)
domingo, janeiro 27, 2008
De Sábado para Domingo...um filme (recordemos Casablanca)
sexta-feira, janeiro 25, 2008
Não param a escutar o coração da terra...
Poema quase triste |
Os homens passam sem darem por nada |
quinta-feira, janeiro 24, 2008
"AGUARELAS" EM FESTA- um ano depois
Nós, querido Simão, achamos que o tempo voa, que aquele malandro (sim, o tempo...) não nos dá tempo para tudo o que sonhamos. Devo dizer-te, em segredo, que a maior parte das vezes, nós, andamos para aqui entretidos a olhar para o que não fizémos, o que correu mal ou assim-assim, para o que gostaríamos de ter feito diferente, e, burros de todo, desaproveitamos cada instante, cada fracção de tempo, esquecendo-nos de celebrar a Vida. Sabes uma coisa Simão? Ela, a vida, tem todas as cores do arco-iris, e nela sopram o vento norte, o Suão, os alíseos , os ventos benfazejos de oeste...às vezes, também, o ciroco que vem lá do deserto...e ainda, aquelas maravilhosas brisas vindas do mar...Tudo irás encontrar, meu querido, no teu caminho . Mas voltando atrás, sim, ao tempo, esse bicho esquisito com que jogamos às escondidas. Tu nestes trezentos e sessenta e cinco dias brincaste com ele da melhor das maneiras, aproveitaste-o em pleno, escorregaste por ele abaixo, puxaste-lhe as orelhas, deixaste-te balançar na sua ondulação, adormeceste nos seus braços, eu sei lá...as tropelias que lhe fizeste. Mas é mesmo assim Simão. Foi dessa maneira que daquele pequenino que eu olhei através do vidro, quase temerosa que o meu olhar te despertasse, te tornaste este maravilhoso menino cheio de vida e alegria. Estamos todos de parabéns e, em especial, os teus pais que te têm dado o melhor do melhor que têm. Continua assim a ouvir o tempo como um pequenino relógio que pulsa, com o bater do coração, onde há, em cada segundo, lugar para saborear, para nos encantarmos, para descobrirmos, para vivermos.
quarta-feira, janeiro 23, 2008
Reflexos do Olhar XVIII (2ª série) "Elas", as Amoras...
terça-feira, janeiro 22, 2008
O céu, a nós se abrindo....
Íamos, sem saber por onde,
Perseguidos por miragens de cidades
Derrotadas construídas no milagre,
Hortelã pimenta aos nossos pés,
As aves acompanhando-nos o voo,
E no rio os peixes à procura da nascente,
O céu, a nós se abrindo.
Arsenii Tarkovskii-"8 Ícones"(versão de Paulo Costa Domingos)
segunda-feira, janeiro 21, 2008
Reflexos do Olhar XVII (2ª série) -belos recortes
domingo, janeiro 20, 2008
De Sábado para Domingo ...um filme (Sonata de Outono)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ingmar_Bergman
http://filmesdochico.blogspot.com/2004/08/um-filme-de-famlia-duas-atrizes.html
http://www.polbr.med.br/psi0406.htm
sábado, janeiro 19, 2008
Leve os sonhos a sério....
16 de Março de 2007
(Ardência marítima)
Cheguei ontem a Benguela para visitar um amigo. Hospedei-me no Hotel Terminus, com o cândido propósito de recuperar memórias de infância. Não tive grande sucesso. Lembro-me apenas que naquela época o hotel era maior. O mundo, já se sabe, encolhe à medida que crescemos.
Fui à praia depois do jantar. Não havia ninguém. Estrelas brilhavam na límpida imensidão do firmamento. Consegui distinguir o Cruzeiro do Sul, e Vénus, a quem os antigos chamavam Lúcifer, a que carrega luz. Despi-me e entrei no mar- a água era lisa e tépida- com a sensação de que mergulhava na própria noite. No século XIII escrevia-se noyte. Digamos então que eu me senti mergulhar na noyte, sugado pelo vórtice escuro, e que fechei os olhos e que quando os reabri vi as estrelas a girar ao meu redor. Movia os braços e cada movimento parecia gerar um tumulto de estrelas. Conheço pessoas que passaram por esta experiência e entraram em pânico. Outras, em êxtase. Muitas falam em embriaguez, a maioria em sonho. O fenómeno é provocado por um pequeno organismo unicelular, a nocticula, capaz de emitir luminescência, e chama-se ardência marítima ou, no Sul de Portugal, agualusa. Fiquei muito tempo no mar, divertindo-me como um pequeno Deus inclemente, a criar e a desfazer constelações. Dei-me conta, ao sair, que havia uma esguia sombra de mulher estendida na cadeira ao lado da qual deixara a roupa. Reconheci-a assim que me aproximei: a Bailarina. Vestia um biquini preto, reduzido, com aplicações de missangas, ou outro material semelhante, que pareciam cintilar, vagamente, como pirilampos sob a pele escura. Sentei-me ao seu lado, em silêncio e dessa vez foi ela que falou primeiro.
- Leve os sonhos a sério- sussurrou. -Nada é tão verdadeiro que não mereça ser inventado.
(José Eduardo Agualusa- As Mulheres do meu pai )
sexta-feira, janeiro 18, 2008
Reflexos do Olhar XVI(2ª série) -Cores que pintam
quarta-feira, janeiro 16, 2008
A luz só pode ser dos girassóis...
Assim fremente e nua,
a luz só pode ser dos girassóis.
Estou tão orgulhoso
por esta flor difícil ter entrado pela casa.
É talvez o último verão,
tão feito de abandono é o meu desejo.
Mas estou orgulhoso dos girassóis.
Como se fora seu irmão.
(Eugénio de Andrade in a Religião do Girassol (org. de Jorge Sousa Braga)
Paco de Lucia- Entre dos Aguas
terça-feira, janeiro 15, 2008
Das mãos saiam gestos de pura transformação...
venha arder em nosso peito
E saiam também os rios
da paciência da terra
é no mar que a aventura
tem as margens que merece
E saiam todos os sóis
que apodreceram no céu
dos que não quiseram ver
- mas que saiam de joelhos
E das mãos que saiam gestos
de pura transformação
Entre o real e o sonho
seremos nós a vertigem
(Alexandre O'Neill -Poesias Completas)
segunda-feira, janeiro 14, 2008
Reflexos do Olhar XV (2ª série) -Flores para dias chuvosos
domingo, janeiro 13, 2008
De SÁBADO para DOMINGO...um filme
Esta nova rubrica inicia-se com um filme português-A Divina Comédia (Manoel de Oliveira)- recheado de intérpretes que me são queridos. Uma oportunidade para recordar o grande Mário Viegas.
http://www.madragoafilmes.pt/filme.asp?ID=11
sábado, janeiro 12, 2008
...Con un deber desconocido....
AMOR
Mi manera de amarte es sencilla:
te aprieto a mí
como si hubiera un poco de justicia en mi corazón
y yo te la pudiese dar con el cuerpo.
Cuando revuelvo tus cabellos
algo hermoso se forma entre mis manos.
Y casi no sé más. Yo sólo aspiro
a estar contigo en paz y a estar en paz
con un deber desconocido
que a veces pesa también en mi corazón.
(António Gamoneda)
sexta-feira, janeiro 11, 2008
Resposta a um justo comentário....
A vida não é cinzenta nem cor-de-rosa...
- Ouça, nem sei se posso acreditar no que ele me contou. Disse-me...
-Eu sei o que ele te disse...
-Bem, também me disse que não tem com a verdade compromisso nenhum.
- Faz ele muito bem. A verdade é uma velha senhora chata, estúpida e inconveniente. Além de surda, surda como as portas, que as há bastante atentas, e olha que não são poucas, mas como Deus, a quem todos suplicam e que não houve ninguém.
Procuras a verdade tu?
- Acho que sim.
-E de que te serve conhecer a verdade?
- Não é uma questão de serventia. De que me serve a beleza das estrelas, por exemplo? Alegra-me a alma. Acho que a verdade tem alguma coisa a ver com a beleza.
- Não concordo contigo, filha. Há verdades muito feias. Algumas só trazem dor.
- Sim, há verdades que magoam. Mas talvez a dor seja necessária...
- Tu acreditas nisso?
-Tem razão, a dor é inútil. Podemos passar muito bem sem ela.
-Pois podemos!- Riu-se.- As flores não têm dentes.
-A senhora leu Breytenbach?
- Não fazes ideia das coisas que eu li. Supões que pelo facto de não haver uma única boa livraria aqui em Luanda, desde a independência, supões que por isso ficámos todos burros?
- Não, claro que não...
- Não? Pois devias supor, filha, ficámos mesmo. Eu tenho a sorte de ter bons amigos, em Lisboa, no Rio de Janeiro, em Paris, que me enviam livros. Mas voltemos à verdade, e ás suas armadilhas. A verdade é um recurso de quem não tem imaginação. A mentira, pode ser, além disso, de proveito geral. Com o engodo de uma mentira pesca-se uma carpa muito autêntica...
- Shakespeare?
- Certo, o velho Guilherme. Diz-me, gostas de histórias de amor?
- Gosto sim. Gosto muito. Gosto das boas estórias.
-Estou disposta a contar-te uma estória de amor, quero contar-te essa estória, embora não hoje. Hoje sinto-me cansada e a minha estória talvez seja um pouco longa. Fica para outro dia.
- E o que que tem essa história a ver com a verdade?
-Tudo, minha querida. É a vida verdadeira de Faustino Manso.
A demonstração de como há verdades pérfidas e mentiras benévolas. A vida não é cinzenta nem cor-de-rosa. Depende das lentes com que olhamos para ela.
(José Eduardo Agualusa-As Mulheres do meu pai)
quinta-feira, janeiro 10, 2008
Reflexos do Olhar XIV (2ª série)- Luz e Sombra
quarta-feira, janeiro 09, 2008
Que vigor no campo das liliáceas....
Vida |
Choveu! E logo da terra humosa (Camilo Pessanha - Clepsidra) |
terça-feira, janeiro 08, 2008
A mais pequenina das flores para a mais linda das meninas....
segunda-feira, janeiro 07, 2008
Reflexos do Olhar XIII (2ª série) -lugares mágicos
domingo, janeiro 06, 2008
A PEDRA FILOSOFAL - Gedeão e Manuel Freire
sábado, janeiro 05, 2008
"A história é uma velhota que se repete sem cessar"
AFEGANISTÃO E IRLANDA
Os Ingleses estão experimentando, no seu atribulado império da Índia, a verdade desse humorístico lugar-comum do século XVIII:
«A história é uma velhota que se repete sem cessar.»
O fado ou a Providência, ou a entidade qualquer que lá de cima dirige os episódios da campanha do Afeganistão, em 1847, está fazendo simplesmente uma cópia servil, revelando assim uma imaginação exausta.
Em 1847, os Ingleses – «por uma razão de estado, uma necessidade de fronteiras científicas, a segurança do império, uma barreira ao domínio russo da Ásia...» e outras coisas vagas que os políticos da Índia rosnam sombriamente retorcendo os bigodes – invadem o Afeganistão, e aí vão aniquilando tribos seculares, desmantelando vilas, assolando searas e vinhas: apossam-se, por fim, da santa cidade de Cabul; sacodem do serralho um velho emir apavorado; colocam lá outro de raça mais submissa, que já trazem preparado nas bagagens, com escravas e tapetes; e logo que os correspondentes dos jornais têm telegrafado a vitória, o exército, acampado à beira dos arroios e nos vergéis de Cabul, desaperta o correame e fuma o cachimbo da paz... Assim é exactamente em 1880.
No nosso tempo, precisamente em 1847, chefes enérgicos, messias indígenas, vão percorrendo o território, e com grandes nomes de pátria, de religião, pregam a guerra santa: as tribos reúnem-se, as famílias feudais correm com os seus troços de cavalaria, príncipes rivais juntam-se no ódio hereditário contra o estrangeiro, o homem vermelho, e em pouco tempo é todo um rebrilhar de fogos de acampamento nos altos das serranias, dominando os desfiladeiros que são o caminho, a entrada da Índia... E quando por ali aparecer, enfim, o grosso do exército inglês, à volta de Cabul, atravancado de artilharia, escoando-se espessamente por entre as gargantas das serras, no leito seco das torrentes, com as suas longas caravanas de camelos, aquela massa bárbara rola-lhe em cima e aniquila-o.
Foi assim em 1847, é assim em 1880. Então os restos debandados do exército refugiam-se em alguma das cidades da fronteira, que ora é Gasnat ora Candaar: os Afegãs, correm, põem o cerco, cerco lento, cerco de vagares orientais: o general sitiado, que nessas guerras asiáticas pode sempre comunicar, telegrafa para o vice-rei da Índia, reclamando com furor «reforços e chá e açúcar!» (Isto é textual; foi o general Roberts que soltou há dias este grito de gulodice britânica; o Inglês, sem chá, bate-se frouxamente.) Então o governo da Índia, gastando milhões de libras como quem gasta água, manda a toda a pressa fardos disformes de chá reparador, brancas colinas de açúcar e dez ou quinze mil homens. De Inglaterra partem esses negros e monstruosos transportes de guerra, arcas de Noé a vapor, levando acampamentos, rebanhos de cavalos, parques de artilharia, toda uma invasão temerosa... Foi assim em 47, assim é em 1880.
Esta hoste desembarca no Indostão, junta-se a outras colunas de tropa hindu e é dirigida dia e noite sobre a fronteira em expressos a quarenta milhas por hora; daí começa uma marcha assoladora, com cinquenta mil camelos de bagagens, telégrafos, máquinas hidráulicas e uma cavalgada eloquente de correspondentes de jornais. Uma manhã avista-se Candaar ou Gasnat – e num momento é aniquilado, disperso no pó da planície, o pobre exército afegã com as suas cimitarras de melodrama e as suas veneráveis colubrinas de modelo das que outrora fizeram fogo em Diu. Gasnat está livre! Candaar está livre! Hurra! Faz-se imediatamente disto uma canção patriótica; e a façanha é por toda a Inglaterra popularizada numa estampa, em que se vê o general libertador e o general sitiado apertando-se a mão com veemência, no primeiro plano, entre cavalos empinados e granadeiros belos como Apoios, que expiram em atitude nobre! Foi assim em 1847; há-de ser assim em 1880.
No entanto, em desfiladeiro e monte, milhares de homens, que ou defendiam a pátria ou morriam pela fronteira científica, lá ficam, pasto de corvos o que não é, no Afeganistão, uma respeitável imagem de retórica: aí, são os corvos que nas cidades fazem a limpeza das ruas, comendo as imundícies, e em campos de batalha purificam o ar, devorando os restos das derrotas.
E de tanto sangue, tanta agonia, tanto luto, que resta por fim? Uma canção patriótica, uma estampa idiota, nas salas de jantar, mais tarde uma linha de prosa numa página de crónica...
Consoladora filosofia das guerras!
No entanto a Inglaterra goza por algum tempo a «grande vitória do Afeganistão» com a certeza de ter de recomeçar daqui a dez anos ou quinze anos; porque nem pode conquistar e anexar um vasto reino, que é grande como a França, nem pode consentir, colados à sua ilharga, uns poucos de milhões de homens fanáticos, batalhadores e hostis. A «política», portanto, é debilitá-los periodicamente, com uma invasão arruinadora. São as fortes necessidades de um grande império. Antes possuir apenas um quintalejo, com uma vaca para o leite e dois pés de alface para as merendas de Verão...
(...)