sábado, junho 03, 2006

Quanto mais analisava os estratos...

(Evans)


Quanto mais analisava os estratos, apoiando-me com todas as minhas energias no fundamento geológico, escavando a crosta, remexendo no concreto, mais expunha as falhas, as fraquezas, uma falta de consistência, e mais suspeitava que na origem das conquistas, dos Descobrimentos, da expansão marítima, tinha estado este sentimento de incompletude, de inconsistência, de vacuidade, que o meu desejo obessivo de geógrafo se obstinava em querer mascarar. Quanto mais me empenhava em dissimulá-lo, à força de desenrolar mapas, longitudes, latitudes, cumes mais evidenciava que a existência deste país só se tornava tangível se fosse pensado de longe, de outro lugar, de uma outra margem, que era esta mesma inexistência que condenava a geografia a não ser nada ao revelar que, sonhado da outra extremidade do mundo,este país não era apenas pura ficção, não era apenas fruto da imaginação,não era exactamente nada.
Não há um único conto, um único mito, uma só história fantasmagórica específica deste território que não resultem de uma decepção.(...)Contrariamente aos mundos interiores, que são produzidos pela imaginação e pelo desejo insatisfeito, inacessível, de um conhecimento que se aproxima de outro lado; contrariamente aos devaneios sem implicações geográficas, sem consistência, mas a que no entanto o desejo de partir deste mundo dá relevos magníficos, os verdadeiros novos mundos não passam de mundos vulgares,clichés.São praticamente iguais: com indígenas parecidos, montes,lagos,rios, parecidos; vegetação parecida, parecidas as mulheres e as suas mamas, parecidas a negra e Rosa Maria.
Supúnhamos descobertas tão grandes, prevíamos confrontos tão brutais com seres impensáveis; preparámo-nos para isso.Sem prever que o sonho é sempre mais forte do que a realidade, sempre mais consistente do que o apenas real, mais belo, mais louco do que a verdade. Foi por causa desse sonho que me tornei geógrafo.

Brigitte Paulino-Neto ( A Melancolia do Geógrafo)

1 comentário:

  1. Sempre sonhamos algo... o sonho é essencial à vida. Aliás a vida é sempre... sonho! Sem ele, ela não vale a pena. Sem sonho, nem geógrafos seremos.

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