domingo, maio 14, 2006

UM DOMINGO COM ANTÓNIO RAMOS ROSA


Sem direcção, sem caminho

escrevo esta página que não tem alma dentro.

Se conseguir chegar à substância de um muro

acenderei a lâmpada de pedra na montanha.

E sem apoio penetro nos interstícios fugidios

ou enuncio as simples reiterações da terra,

as palavras que se tornam calhaus na boca ou nos meus passos.

Tentarei construir a consistência num adágio

de sílabas silvestres, de ribeiros vibrantes.

E na substância entra a mão, o balbucio branco

de uma língua espessa, a madeira, as abelhas,

um organismo verde aberto sobre o mar,

as teclas do verão, as indústrias da água.

Eu sou agora o que a linguagem mostra

nas suas verdes estratégias, nas suas pontes

de música visual: o equilíbrio preenche os buracos

com arcos, colinas e com árvores.

Um alvor nasceu nas palavras e nos montes.

O impronunciável é o horizonte do que é dito

António Ramos Rosa

2 comentários:

  1. Sou apaixonada por ARR! E esse verso: "O impronunciável é o horizonte do que é dito." é indizível de soberbo.

    Um beijoo do meu lado do mar, onde é outono.

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  2. Os franceses, muito apreciadores de poetas portugueses, como Miguel Torga ou Fernando Pessoa, que muito me admira a mim que os portugueses conheçam tão bem estes poetas como os próprios franceses, devem achar alguma semelhança entre a poesia de António Ramos Rosa e a de Fernando Pessoa, pois alcunharam António Ramos Rosa de uma "continuidade" de Fernando Pessoa.
    Também eu admiro a personalidade de António Ramos Rosa, sobretudo por confessar que nunca foi uma pessoa "submissa", para além da sua poesia.

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