sábado, maio 14, 2011

e a montanha começa a abanar...

(Aguarelas de Turner)

Agora e hoje é outro dia diferente do outro, mas parecido porque é com os mesmos no mesmo sítio. Só que desta vez é mais tarde, melhor, é mais cedo, mais cedo é quando chega o pai do mar. Chega do mar e é grande. E só entra pela porta porque a porta deve ter cinco metros e ele quatro e meio. O pai entra, e eu corro para ele, e ele parado.Subo por ele acima até à altura e lá de cima, com as mãos na careca dele, o Lito não chega nem pode gozar comigo, porque sou maior que tudo, e tudo é mais alto que as montanhas, mesmo com o homem em cima delas com a bandeira.
Eu agora estou cá em cima e não tenho medo.E o Lito grita:
- Pai, também quero.
E o pai: 
- Deixa agora estar o menino!- que sou eu.
- Não deixo nada! -diz o Lito.
- Ai deixas, deixas!-diz o pai.
- Quando o Sargo sair, vais!-diz a mãe.
O Lito avança para o pai, agarra-se à perna, desaperta-lhe os cordões, tenta trepar pelas calças, mas não me chega aos calcanhares e eu de cima:
- Sou grande, sou grande.Vês mano? Não chegas para mim, sou grande.
E o pai:
-Vá, não aferroes o teu irmão! diz o pai e eu não aferroo.
Mas o Lito não desiste, e começa a luta com o pai , e o pai à luta com o Lito e a montanha começa a abanar, e eu tenho medo, não por ser alto, mas por parecer cair...que o Lito faz cócegas e a montanha ri-se, e eu começo a chorar.
(...)

João Negreiros- O Mar que a gente faz

2 comentários:

  1. que texto incrível, que força! um excelente post, fiquei com vontade de continuar a ler. Bom fim de semana para você, Addiragram

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