segunda-feira, maio 30, 2011

Misteriosas serranias...

   (Aguarelas de Turner)
Partindo da costa marítima penetrei nas serranias minhotas. Se o Gerês não me era estranho e foi meu abrigo nos idos de oitenta, a Serra Amarela e a Serra do Soajo eram-me desconhecidos.Tendo feito a sua travessia com um tempo de temporal consegui ficar esmagada com a imensidade dos seus horizontes e a grandeza agreste daquelas misteriosas montanhas. Em surdina, sussurei o meu desejo de lá voltar numa luz primaveril. Até qualquer dia...

sábado, maio 28, 2011

Há peixe ainda aos saltos de tão vivo...

   ( Aguarelas de Turner)

Há barcos a chegar e quando chegam há coisas combinadas que os homens fazem que são tão lindas que nem se podem bem dizer. Há peixe ainda aos saltos de tão vivo, em caixas rijas que voam de braço em braço como se o ar entre as mãos não houvesse. Há cordas pelo ar que se atam à doca e pneus que parecem colares de pérolas à volta das traineiras que batem de mansinho na doca para que a madeira com o nome do barco não se magoe. Nisto, pega em mim por trás um colo que eu reconheço e abraço como se tivesse vindo de dentro dele. É a mãe.(...)

(João Negreiros- O Mar que a gente faz)


quarta-feira, maio 25, 2011

E todos os brinquedos se transformam....

 
 (Aguarelas de Turner)
Do seu longínquo reino cor-de-rosa
Voando pela noite silenciosa,
A fada das crianças vem, luzindo.
Papoulas a coroam, e, cobrindo
seu corpo todo, a tornam misteriosa.

À criança que dorme chega leve,
E pondo-lhe na fronte a mão de neve,
Os seus cabelos de ouro acarícia-
E sonhos lindos, como ninguém teve,
A sentir a criança principia.

E todos os brinquedos se transformam
Em coisas vivas, e um cortejo formam:
Cavalos e soldados e bonecas,
Ursos e pretos, que vêm, vão e tornam,
E palhaços que tocam em rabecas...


E há figuras pequenas e engraçadas
Que brincam e dão saltos e passadas...
Mas vem o dia, e leve e graciosa,
Pé ante pé, volta a melhor das fadas
Ao sei longínquo reino cor-de- rosa.


(Fernando Pessoa- poesias coligidas/inéditas)

segunda-feira, maio 23, 2011

A prática da vida tem por única direcção a conveniência...

                      (Aguarelas de Turner)

«Estamos perdidos há muito tempo...
O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada.
Os carácteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direcção a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido.
Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.
Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.
Alguns agiotas felizes exploram.
A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte: “o país está perdido!”
Algum opositor do actual governo?... Não!»


Eça de Queirós-1871 in Um poema de vez em quando

 Eça, cujo lugar de nascimento foi disputado entre Poveiros e Vila Condenses, olhava a classe política e as gentes desta nossa terra com estes olhos...
Que poderemos acrescentar mais?

sexta-feira, maio 20, 2011

Duas irmãs

    (Aguarelas de Turner)

Seguindo à deriva por terras do litoral Norte, entra-se em Vila do Conde, seguindo sempre a marginal que nasce na Póvoa. 
 Para quem se passeia com pouco tempo por estas paragens, e as procura sentir numa globalidade, sente como é artificial esta separação, que mais parece querer perpetuar uma diferença de classes.
Vila do Conde, cujo conde se perde na noite dos tempos, na sua parte antiga evoca uma burguesia abastada e uma aristocracia. Póvoa de Varzim cheira mais a peixe, a pescadores e a varinas e respira  naturalidade e autenticidade.
Todavia, passear nas ruas antigas de Vila do Conde, encontrando as suas casas antigas de granito preservadas, deixou-me um grande prazer, que vos trago aqui.

quinta-feira, maio 19, 2011

Isso é essencial para o destino futuro de meu filho...

Senhora:


Ponte de Lima, 18 de Novembro de 1845


Recebi carta de meu pai, que novamente me recomenda a criação de meu filho, e se me oferece para mandá-lo criar no Pôrto, em companhia da minha família, quando a senhora nisto convenha. espero, pois, a sua resposta para nessa inteligência escrever a meu pai.
Ele me recomenda igualmente-e também o desejo-que no assento de Baptismo se declare ser meu filho, sem todavia se enunciar o nome da mãe. Isso é essencial para o destino futuro de meu filho e para que , no caso de se verificar o meu casamento consigo,- o que talvez haja de acontecer brevemente- não seja precisa em tempo algum justificação de filiação. Espero se ponha ao nosso filho, o meu ou o seu nome, conforme deve ser.
Adeus. Acredite sempre nas minhas sinceras tenções- e agora mais do que nunca- Queiroz.




Esta carta foi escrita cinco dias antes do nascimento  de José Maria. Inexplicavelmente foi classificada por J.Gaspar Simões de "gélida", "falta de sentimento", quando o pai de José Maria insistira, em nome de seu pai e do próprio, para que o seu filho tenha o seu nome e apelido. Como se sabe são muitos os filhos naturuais que não têm indicação da linhagem da raiz materna ou paterna que os originou. É vulgar que o filho natural receba vários pronomes, o primeiro indicando o sexo e talvez mesmo o nome de algum avô ou antepassado. O apelido é substituído em geral por um segundo pronome. Nesta carta o pai, José Maria de Queiroz, procura, por um lado dar o seu nome ao seu primogénito e evitar que ele seja um "filho das ervas" crescendo junto de Ana Joaquina Leal de Barros. A mesma carta prevê para breve o consórcio com Carolina.
Toda esta atitude (embora expressa de maneira seca, visto a carta ser destinada a ser lida por terceiros) está de acorodo com as posturas de aprumo e de pundonor que o juiz Teixeira de Queiroz mostrou na sua vida profissional, sempre exemplar em questões de honra.
Duas atitudes do juiz Teixeira Queiroz não ficaram esquecidas a propósito de duas retumbantes causas do sec. XIX. A primeira dizia respeito ao fabrico e exportação de moeda falsa pelo conde de Bulhão. Havia dúvidas que jamais um magistrado  se atrevesse a pronunciar o Bulhão devido às suas relações com personagens altamente colocados, inclusive com o todo poderoso Marechal Saldanha. Pois o juiz Teixeira de Queiroz levou o caso às últimas consequências e conseguiu pronunciar o célebre titular. Outra causa célebre foi o processo contra Camilo e Ana Plácido, por adultério. Queiroz começa por se dar como suspeito mas como o Supremo não aceita esta posição vai dá-los por impronunciáveis, por falta de provas.
Tudo indica que a rejeição e ilegitimidade de que Eça de Queiroz foi vítima se ficou a dever mais à mãe, carolina, do que a quaisquer outros factores que poderiam ser evocados: fuga do pai à sua responsabilidade, falta de meios de ambos os pais, medo das objecções dos parentes da família do lado da mãe. Ao que parece Carolina ficou raivosa de ter caído numa falta e zangou-se com o namorado-sedutor, recusando-se a casar. Vão neste sentido os testemunhos de pessoas da família de Carolina d' Eça, cujos relatos foram recolhidos por Tomaz d'Eça Leal, Severino Costa, Maria Augusta d' Alpoim. A mãe de Carolina na hora da morte t~e-la-ia feito prometer que casaria com o juíz Teixeira Queiroz. Alguns desses relatos referem que Carolina considerava a sedução de que tinha sido alvo como alguma coisa que jamais perdoaria ao marido. Este não perdão ter-se-ia estendido ao filho do "pecado".


Pedro Luzes- Sob o manto diáfano do realismo. Psicanálise de Eça de Queiroz

terça-feira, maio 17, 2011

Perfeito e determinado é o que principia

  (Aguarelas de Turner)

O círculo

O círculo é a forma eleita
É ovo, é zero.
É ciclo, é ciência.
Nele se inclui todo o mistério
E toda a sapiência.
É o que está feito,
Perfeito e determinado,
É o que principia
No que está acabado.
A viagem que o meu ser empreende
Começa em mim,
E fora de mim,
Ainda a mim se prende.
A senda mais perigosa.
Em nós se consumando,
Passando a existência
Mil círculos concêntricos
Desenhando.  


(Ana Hatherly )

segunda-feira, maio 16, 2011

Castro de S.Lourenço

 
( Aguarelas de Turner)

De Esposende ao Castro de S.Lourenço é o pulinho. Chegar ali e poder apreciar o trabalho de reconstrução de castros, que na sua parte mais antiga remontam ao calcolítico, "vale a viagem". Ficamos a imaginar a vida naquelas paragens e podemos avistar uma vista deslumbrante da costa.

sábado, maio 14, 2011

e a montanha começa a abanar...

(Aguarelas de Turner)

Agora e hoje é outro dia diferente do outro, mas parecido porque é com os mesmos no mesmo sítio. Só que desta vez é mais tarde, melhor, é mais cedo, mais cedo é quando chega o pai do mar. Chega do mar e é grande. E só entra pela porta porque a porta deve ter cinco metros e ele quatro e meio. O pai entra, e eu corro para ele, e ele parado.Subo por ele acima até à altura e lá de cima, com as mãos na careca dele, o Lito não chega nem pode gozar comigo, porque sou maior que tudo, e tudo é mais alto que as montanhas, mesmo com o homem em cima delas com a bandeira.
Eu agora estou cá em cima e não tenho medo.E o Lito grita:
- Pai, também quero.
E o pai: 
- Deixa agora estar o menino!- que sou eu.
- Não deixo nada! -diz o Lito.
- Ai deixas, deixas!-diz o pai.
- Quando o Sargo sair, vais!-diz a mãe.
O Lito avança para o pai, agarra-se à perna, desaperta-lhe os cordões, tenta trepar pelas calças, mas não me chega aos calcanhares e eu de cima:
- Sou grande, sou grande.Vês mano? Não chegas para mim, sou grande.
E o pai:
-Vá, não aferroes o teu irmão! diz o pai e eu não aferroo.
Mas o Lito não desiste, e começa a luta com o pai , e o pai à luta com o Lito e a montanha começa a abanar, e eu tenho medo, não por ser alto, mas por parecer cair...que o Lito faz cócegas e a montanha ri-se, e eu começo a chorar.
(...)

João Negreiros- O Mar que a gente faz

sexta-feira, maio 13, 2011

SEIS Anos, seis...


Num ápice passaram seis anos. Seguramente ao longo deste tempo o  "Aguarelas de Turner" atravessou vários períodos e foi caminhando ao meu lado, cumprindo a sua missão de me levar a voar pelos ramos da poesia e de outras escritas. Em dias em que só restava uma réstea da noite para "saír"das tarefas diárias, a busca de um poema, o seu "casamento" com uma pintura ou uma fotografia levaram-me  sempre a um pequeno jardim onde descansava das arestas do dia.
Não sendo eu uma visitadora intensiva de blogs, tive o prazer de conhecer ao longo deste tempo algumas pessoas com quem  tenho sorrido, com quem tenho pensado, com quem tenho me enternecido, e que coloco no campo dos amigos.
Por tudo isto, e muito mais, tem valido a pena andar por aqui.

quarta-feira, maio 11, 2011

E mais de quem não....

    Aguarelas de Turner

Livrai-me, Senhor,
De tudo o que for 
Vazio de amor

Que nunca me espere
Quem bem me não quer
(Homem ou mulher)


Livrai-me também
De quem me detém
E graça não tem

E mais de quem não
Possui nem um grão
De imaginação.


(Miguel Torga)

terça-feira, maio 10, 2011

Voando pelos telhados de Bolonha

   (Aguarelas de Turner)

De novo, um intervalo se interpôs nestas publicações. A viagem, desta vez, de trabalho veio quebrar o propósito de vos trazer momentos que me tocaram nestas férias de Páscoa.
Não me apraz aproximar lugares dentro de mim. Gosto de ter tempo para os saborear, digerir, reapreciar e, logo mais tarde, partir de novo. Mas, inusitadamente, vi-me a voar das praias do Norte para os telhados de Bolonha. 
Depois desta curta incursão pela sedutora Bolonha voltarei, com todo o prazer, às terras do meu país.


domingo, maio 01, 2011

Ponte de Lima e os seus bancos

   (Aguarelas de Turner)

   (Aguarelas de Turner)

Encontrei Ponte de Lima completamente "submersa", debaixo de uma chuva incessante que poucas abertas dava para a fotografia. Tive várias vezes de ir em socorro da minha câmara, que teimava em não deixar de fotografar, correndo o risco de se fazer alagar por tanta água que em tudo deixava a sua marca.
Os bancos vazios exercem sobre mim um fascínio pela potencialidade de os podermos "habitar" das mais diversas maneiras.
Estes, são dois que encontrei por lá.