Estarei ausente deste canto até aos primeiros dias do novo ano. Os tempos que atravessamos não nos têm trazido grandes motivos de júbilo. Poder-se-á, no entanto, questionar se a existência, vista à escala microscópica do nosso dia-a-dia, terá em alguma época trazido motivos de júbilo. Ao longo da minha vida olho as transformações operadas como mudanças lentas que se vão dando ao longo do tempo e que se tornam pouco visíveis se as olhamos de perto. No entanto, se pensarmos nos últimos cinquenta anos, quase todos nós nos sentimos satisfeitos por termos percorrido já este caminho que nos afasta dos tempos "medievais" da nossa infância, que a única coisa que tinha de maravilhosa era o de ser a" nossa infância". Também hoje, o pessimismo que nos atravessa não se deve exclusivamente a causas externas mas à realidade de sentirmos curto o tempo para todo o nosso sonho. Esquecemo-nos então de darmos uns passos atrás, para termos uma visão de conjunto, e olhamos o que nos rodeia com os olhos da tristeza de não sermos imortais. Este olhar "microscópico" não é, todavia, um olhar vão. É um olhar que grita o desejo que temos de fazer melhor, de vermos todos os humanos, por igual, com condições de dignidade e de desenvolvimento. É aqui que todos não
podemos deixar de continuar a dizer. Se cada um de nós fizesse o exercício, simples, de pensar que o acaso poderia tê-lo feito nascer num desses países esquecidos onde a rudimentar alimentação é uma guerra diária, se cada um de nós ( e em especial, os que detêm o poder) suportasse, por instantes, a dor de se imaginar no limiar da sobrevivência, talvez cada acto, cada iniciativa, tivesse de ter, permanentemente em conta os esquecidos da sorte.
Quero despedir-me dos meus amigos fazendo votos para que todos os que nos encontramos por "estas paragens" não deixemos de manter as duas visões da existência: a que "grita" o que está mal e a que "vê" o que vai podendo evoluir. Viver, inteiramente, o presente, transformando-o sempre que possível, parece-me ser a única maneira de nos sentirmos Vivos.
Até 2010, queridos amigos!