Turner na liberdade das suas aguarelas dá-nos a emoção do olhar e do sentir em estado puro.Este espaço propõe-se convocar, pela voz dos que sabem, múltiplos instantes de vida: luz e sombra; esquecimento e memória; vida e morte...
"Seja qual fôr o caminho que eu escolher um poeta já passou por ele antes de mim"
S. Freud
segunda-feira, agosto 03, 2009
Os nossos quarenta dias de deserto
Às vezes eu pensava em ti, Cláudia. Pensava o que seria feito de ti, se terias acabado o curso, se terias um trabalho, se terias emigrado, se te terias casado ( e terias filhos, loiros e lindos, iguais a ti?). Pensava, mas sem pensar muito. Cada um de nós seguira a sua vida e elas eram em tudo diferentes: os amigos, o trabalho, os lugares por onde andávamos, mais de meia geração a separar-nos. Lá longe, isso não faz assim tanta diferença, mas aqui fazia toda. Eu não andava na noite nem nos bares, discotecas ou concertos rock: nunca foi vida que me seduzisse e menos ainda agora, que trabalhava tanto e via crescer os meus filhos, como pai de fim-de-semana. Com os anos, comecei a ficar obcecado em construir coisas. Coisas que durassem, que ficassem depois de mim: filhos, casas, fotografias, livros, reportagens, viagens, histórias que eu pudesse contar e partilhar com os outros. E, de cada vez que concluía uma coisa, passava a outra e assim sucessivamente, como se tentasse ultrapassar o próprio tempo. Tirando o silêncio, a solidão e o espaço, tirando o tempo gasto nisso, todo o resto do tempo que não fosse passado a construir coisas novas parecia-me um desperdício de vida. Consumia-me uma febre insana de caminhar sempre em frente, ao mesmo tempo que tentava preservar, como coisa preciosa, a memória de todos os dias felizes que tinham ficado para trás – e onde estavam, como as folhas secas de uma rosa deixadas entre as paginas de um livro já lido, os nossos quarenta dias de deserto.
(Miguel Sousa Tavares- No teu deserto)
Interrompida a sua leitura nesta última quinzena, pode, já em férias, chegar ao seu terminus. Uma história que se sente, esta. Uma história que precisou de ser contada para que os seus protagonistas pudessem, finalmente, concluir a caminhada, cada um na direcção do outro. Um Quase Romance, sem sombra de dúvida.
Olhar o mundo à minha volta,
gostar dos que me são queridos,
usar, da melhor maneira, aquilo, que julgo saber...
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estás quase a convencer-me.
ResponderEliminarTodos ambicionamos deixar marcas que perdurem para além de nós.
ResponderEliminarSejam filhos, livros, árvores...