Em tempo de férias, e sobretudo no campo, depois de um bom almoço, há tempo para relembrar o que o barulhento dia-a-dia apaga. Foi o que me aconteceu quando senti a premência de reler o longo poema de Cesário Verde: "Nós". À sua evocação não eram estranhos dois outros factores- a presença do fantasma de "epidemia"e a ideia do campo como um espaço de refúgio e de fuga para as ameaças que a cidade traz. Vivemos sempre num difícil equilíbrio entre o evitamento do alarmismo e o evitamento da negação dos problemas. Reler o poema de Cesário é, também, ajudarmo-nos a redimencionar os tempos que, de momento, nos são dados viver. Aquela época, descrita pelo poeta ,com tão grande precisão e realismo, faz-nos situar o tempo presente na sua dimensão relativa.
Destacarei dele , apenas, algumas passagens -
Destacarei dele , apenas, algumas passagens -
Foi quando em dois Verões, seguidamente, a Febre
E a Cólera também andaram na cidade,
Que esta população, com um terror de lebre,
Fugiu da capital como da tempestade.
Ora, meu pai, depois das nossas vidas salvas,
(Até então nós só tivéramos sarampo)
Tanto nos viu crescer entre uns montões de malvas
Que ganhou por isso um grande amor ao campo!
Se acaso o conta, ainda a fronte se lhe enruga:
O que se ouvia sempre era o dobrar dos sinos;
Mesmo no nosso prédio, os outros inquilinos
Morreram todos. Nós salvámo-nos na fuga.
Na parte mercantil, foco da epidemia,
Um pânico! Nem um navio entrava a barra,
A alfândega parou, nenhuma loja abria,
E os turbulentos cais cessaram a algazarra.
Pela manhã, em vez de trens de baptizados,
Rodavam sem cessar as seges dos enterros.
Que triste a sucessão dos armazéns fechados!
Como um domingo inglês na «city» que desterros!
Sem canalização, em muitos burgos ermos,
Secavam dejecções cobertas de mosqueiros.
E os médicos, ao pé dos padres e coveiros,
Os últimos fiéis, tremiam dos enfermos!
(...)
Porém lá fora, à solta, exageradamente,
enquanto acontecia essa calamidade,
Toda a vegetação, pletórica, potente,
Ganhava imenso com a enorme mortandade!
Num ímpeto de seiva os arvoredos fartos,
Numa opulenta fúria as novidades todas,
Como uma uinversal celebração de bodas,
Amaram-se! E depois houve soberbos partos.
Por isso, o chefe antigo e bom da nossa casa,
Triste de ouvir falar em orfãos e viúvas,
E em permanência olhando o horizonte em brasa,
Não quis voltar senão depois das grandes chuvas.
Ele, dum lado, via os filhos achacados,
Um lívido flagelo e uma moléstia horrenda!
E via, do outro lado, eiras, lezírias, prados,
E um salutar refúgio e um lucro da vivenda!
E o campo, desde então, segundo o que me lembro,
É todo o meu amor de todos estes anos!
Nós vamos para lá; somos provincianos,
Desde o calor de Maio aos frios de Novembro!
(....)
(Cesário Verde)
Para além da gripe.
ResponderEliminar"Desde o calor de Maio aos frios de Novembro!" que já não há...
Não vale a pena alarmarmo-nos...
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