sexta-feira, junho 13, 2008

Têm dois ofícios...

(Magritte)

Notável criatura são os olhos! Admirável instrumento da natureza; prodigioso artifício da Providência! Eles são a primeira origem da culpa; eles são a primeira fonte da Graça. São os olhos duas víboras, metidas em duas covas, e que a tentação pôs o veneno, e a contrição e a triaga. São duas setas que o Demónio se arma para nos ferir e perder; e são dois escudos com que Deus depois de feridos nos repara para nos salvar.Todos os sentidos do homem têm um só ofício; só os olhos têm dois. O Ouvido ouve, o Gosto gosta, o Olfacto cheira, o Tacto apalpa, só os olhos têm dois ofícios: Ver e Chorar. Estes serão os dois pólos do nosso discurso.
Ninguém haverá( se tem entendimento) que não deseje saber por que ajuntou a Natureza no mesmo instrumento as lágrimas e a vista;e por que uniu na mesma potência o ofício de chorar, e o de ver? O ver é a acção mais alegre; o chorar a mais triste. Sem ver, como dizia Tobias, não há gosto, porque o sabor de todos os gostos é o ver; pelo contrário, o chorar é o estilado da dor, o sangue da alma, a tinta do coração, o fel da vida, o líquido do sentimento. Por que ajuntou logo a natureza nos mesmos olhos dois efeitos tão contrários, ver e chorar? A razão e a experiência é esta. Ajuntou a natureza a vista e as lágrimas, poque as lágrimas são a consequência da vista; ajuntou a Providência o chorar com o ver, porque o ver é a causa do chorar. Sabeis porque choram os olhos? Porque vêem.

(Padre António Vieira)

1 comentário:

  1. Ver e chorar...

    Mas nós sabemos que os olhos também sabem rir. Noutros dias.

    Aguardemo-los.

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