Georg Büchner (1813-1837), singular dramaturgo alemão, autor das peças “Woyzeck”, “A Morte de Danton” e “Leôncio e Lena” e da novela “Lenz”, morreu precocemente com 23 anos de idade, vítima de tifo. Foi um dos adolescentes geniais de vida curta, filho único da poesia, ao lado de Lautréamont e de Rimbaud. A obra de Büchner, tão preciosa quanto escassa, só foi reconhecida e dada a conhecer quase cem anos após a morte do autor. Hoje é considerado, dentro do teatro universal, um génio, um visionário, um percursor do teatro moderno e de várias tendências que se afirmaram no século XX: o Expressionismo, o Teatro Existencialista, o Teatro do Absurdo, etc.
É citado como referência estética tanto por Bertolt Brecht, como por Antonin Artaud (correntes opostas, porém unânimes em apontar a importância de Büchner). Com uma escrita inovadora, altamente poética e politizada, Büchner utiliza em “Leôncio e Lena” a estética do Romantismo para, servindo-se dos seus recursos, a criticar. Utiliza um enredo romântico para fazer uma denúncia demolidora e satírica contra a falta de espírito público e a tirania absurda dos reis, dos governantes. Nesta obra-prima que é “Leôncio e Lena”, anterior a "Rei Ubu" de Alfred Jarry (tão moderna quanto sua sucessora), Büchner criou aquilo que cem anos após ter sido escrita, Artaud viria a chamar de “realidade poética”.
O príncipe Leôncio vive entediado no reino de Pupu. O rei Pedro, seu pai, decide que o seu herdeiro deve casar-se com a princesa Lena do reino de Pipi e marca o dia do casamento. Leôncio não concorda com a arbitrariedade desta decisão e, com o apoio do seu fiel amigo Valério – uma espécie de vagabundo filósofo – foge para Itália em busca do amor ideal.
No reino de Pipi, a princesa Lena, outro infeliz fantoche do Poder, decide também fugir, pois não admite casar-se com um desconhecido. Os dois príncipes encontram-se casualmente e, desconhecendo por completo as suas verdadeiras identidades, acabam por apaixonar-se. Entretanto, no dia do casamento, instala-se um alvoroço no reino de Pupu com a descoberta da fuga do príncipe. Mas o criativo e delirante Valério tem uma ideia: cria uma encenação para o Rei, convencendo-o de que para fazer valer a palavra real não é preciso casar concretamente os dois príncipes, basta uma cerimónia simbólica onde os noivos sejam representados por dois ‘bonecos’, que efectivamente são os dois príncipes mascarados.
A cerimónia é realizada e depois de oficializado o matrimónio os dois ‘fantoches’ tiram as máscaras e é-lhes revelada a sua identidade.
A contemporaneidade e a intemporalidade da peça afirmam-se, de modo delicado e ao mesmo tempo cirúrgico e contundente, na forma como nela são abordados os temas do amor, do tédio e do Poder. Com um forte cunho filosófico, esta obra (“comédia niilista”, segundo alguns teóricos), que afirma o grande fatalismo da condição humana, é uma comédia dialecticamente trágica: apesar de, tanto Leôncio como Lena, procurarem o caminho da redenção e da independência, quis o destino que eles se encontrassem por acaso e se apaixonassem, sem saberem quem são realmente.
(retirado do programa do Teatro da Cornucópia)
Assistir ao Teatro de Cornucópia é para mim motivo sempre de enorme satisfação. Ainda recordo com nitidez a primeira peça que vi representada por Luís Miguel Cintra, Jorge Silva Melo e Eduarda Dionísio na Faculdade de Letras de Lisboa- O Anfitrião ou Jupiter e Alcmena de António José da Silva-o Judeu. A partir de então, embora às vezes de forma irregular, tenho acompanhado o percurso do Teatro da Cornucópia, que me tem trazido momentos de grande prazer. Esta tarde foi um desses dias. A interpretação do senil rei Pedro a cargo de Luis Miguel Cintra é brilhante e totalmente convincente.
As restantes interpretações são equilibradas conseguindo todo o grupo uma unidade. Uma crítica feita através de uma poderosa ironia a uma sociedade fechada, estéril e dominada pelo tédio.
Vejam, se puderem, esta peça. Vão dar o tempo por bem empregue.
O Teatro da Cornucópia é um exemplo de qualidade e dignidade artística.
ResponderEliminarSou capaz de ir, addiragram. Já não vou à Cornucópia há que tempos e todas as horas que lá passei foram bem empregues... beijinho!
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