(Aguarelas de Turner-colagem feita a partir de fotos de diferentes fotógrafos sobre os bombardeamentos de Gaza)
Por que o senhor, eu e tantas outras pessoas nos revoltamos tão violentamente contra a guerra? Porque não a aceitamos como mais uma das muitas calamidades da vida? Afinal, parece ser uma coisa muito natural, parece ter uma base biológica e ser dificilmente evitável na prática. Não há motivo para se surpreender com o facto de eu levantar essa questão. Para o propósito de uma investigação como esta, poder-se-ia, talvez, permitir-se usar uma máscara de suposto alheamento, A resposta à minha pergunta será a de que reagimos à guerra dessa maneira, porque toda a pessoa que tem direito à sua própria vida, porque a guerra põe término a vidas plenas de esperanças, individualmente e porque conduz os homens a situações humilhantes, porque os compele, contra sua vontade, a matar outros homens e porque destrói objectos materiais preciosos, produzidos pelo trabalho da humanidade. Outras razões mais poderiam ser apresentadas, como a de que, na sua forma actual, a guerra não é mais uma oportunidade de atingir os velhos ideiais de heroísmo, e de que, devido ao aperfeiçoamento dos instrumentos de destruição, uma guerra futura poderia envolver o extermínio de um dos antagonistas ou, quem sabe, de ambos. Tudo isso é verdadeiro, e tão incontestavelmente verdadeiro, que não se pode senão sentir perplexidade ante o facto de a guerra ainda não ter sido unanimente repudiada. (....) Penso que a principal razão por que nos rebelamos contra a guerra é que não podemos fazer outra coisa. Somos pacifistas porque somos obrigados a sê-lo, por motivos orgânicos básicos. E sendo assim, temos argumentos que justifiquem a nossa atitude.
Sem dúvida, isto exige alguma explicação. Creio que se trata do seguinte. Durante de períodos de tempo incalculáveis, a humanidade tem passado por um processo de evolução cultural ( sei que alguns preferem empregar o termo" civilização"). É a esse processo que devemos o melhor daquilo em que nos tornamos, bem como uma boa parte daquilo de que padecemos. Embora suas causas e seus começos sejam obscuros e incerto o seu resultado, algumas das suas características são de fácil percepção. Talvez esse processo esteja levando à extinção da raça humana, pois em mais de um sentido prejudica a função sexual; povos incultos e camadas atrasadas da população já se multiplicaram mais rapidamente do que as camadas superiormente instruídas.(...)As modificações psíquicas que acompanham o processo de civilização são notórias e inequívocas. Consistem num progressivo deslocamento dos fins instintuais e numa limitação imposta aos impulsos instintuais. Sensações que para os nossos ancestrais eram agradáveis, tornaram-se indiferentes ou até mesmo intoleráveis para nós; há motivos orgânicos para as modificações em nossos ideais éticos e estéticos. Dentre as características psicológicas da civilização, duas aparecem como as mais importantes: O fortalecimento do intelecto, que está começando a governar a vida instintual , e a internalização dos impulsos agressivos com todas as consequentes vantagens e perigos. Ora a guerra se constitui na mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi incutida pelo processo de civilização, e por esse motivo não podemos evitar de nos rebelar contra ela; simplesmente não podemos mais nos conformar com ela. Isto não é apenas um repúdio intelectual e emocional; nós, os pacifistas, temos uma intolerância constitucional à guerra, digamos, uma idiossincrasia exacerbada no mais alto grau. Realmente, parece que o rebaixamento dos padrões estéticos na guerra desempenha um papel dificilmente menor em nossa revolta do que as suas crueldades.
E quanto tempo teremos de esperar até que o restante da humanidade também se torne pacifista? Não há como dizê-lo. Mas pode não ser utópico esperar que esses dois factores, a atitude cultural e o justificado medo das consequências de uma guerra futura, venham a resultar, dentro de um tempo previsível, em que se ponha um término à ameaça de guerra. Por quais caminhos ou por que atalhos isto se realizará, não podemos adivinhar. Mas uma coisa podemos dizer: tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultâneamente contra a guerra.
Espero que o senhor me perdoe se o que eu disse o desapontou, e com expressão de toda a estima, subscrevo-me,
Cordialmente,
SIGM. FREUD
Sem dúvida, isto exige alguma explicação. Creio que se trata do seguinte. Durante de períodos de tempo incalculáveis, a humanidade tem passado por um processo de evolução cultural ( sei que alguns preferem empregar o termo" civilização"). É a esse processo que devemos o melhor daquilo em que nos tornamos, bem como uma boa parte daquilo de que padecemos. Embora suas causas e seus começos sejam obscuros e incerto o seu resultado, algumas das suas características são de fácil percepção. Talvez esse processo esteja levando à extinção da raça humana, pois em mais de um sentido prejudica a função sexual; povos incultos e camadas atrasadas da população já se multiplicaram mais rapidamente do que as camadas superiormente instruídas.(...)As modificações psíquicas que acompanham o processo de civilização são notórias e inequívocas. Consistem num progressivo deslocamento dos fins instintuais e numa limitação imposta aos impulsos instintuais. Sensações que para os nossos ancestrais eram agradáveis, tornaram-se indiferentes ou até mesmo intoleráveis para nós; há motivos orgânicos para as modificações em nossos ideais éticos e estéticos. Dentre as características psicológicas da civilização, duas aparecem como as mais importantes: O fortalecimento do intelecto, que está começando a governar a vida instintual , e a internalização dos impulsos agressivos com todas as consequentes vantagens e perigos. Ora a guerra se constitui na mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi incutida pelo processo de civilização, e por esse motivo não podemos evitar de nos rebelar contra ela; simplesmente não podemos mais nos conformar com ela. Isto não é apenas um repúdio intelectual e emocional; nós, os pacifistas, temos uma intolerância constitucional à guerra, digamos, uma idiossincrasia exacerbada no mais alto grau. Realmente, parece que o rebaixamento dos padrões estéticos na guerra desempenha um papel dificilmente menor em nossa revolta do que as suas crueldades.
E quanto tempo teremos de esperar até que o restante da humanidade também se torne pacifista? Não há como dizê-lo. Mas pode não ser utópico esperar que esses dois factores, a atitude cultural e o justificado medo das consequências de uma guerra futura, venham a resultar, dentro de um tempo previsível, em que se ponha um término à ameaça de guerra. Por quais caminhos ou por que atalhos isto se realizará, não podemos adivinhar. Mas uma coisa podemos dizer: tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultâneamente contra a guerra.
Espero que o senhor me perdoe se o que eu disse o desapontou, e com expressão de toda a estima, subscrevo-me,
Cordialmente,
SIGM. FREUD
Nota: A carta de Einstein chegou a Freud no início de Agosto de 1932 e a sua resposta foi concluída um mês depois. A correspondência foi publicada em Paris, pelo Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual em Março de 1933, em alemão, francês e inglês,simultâneamente.A sua circulação, contudo foi proibida na Alemanha
Entre 18 e 22 de Fevereiro de 2008 publiquei as cartas de Einstein e de Freud sobre o porquê da guerra. Volto a chamá-las aqui como forma de exprimir o sentimento de revolta e dor com o que ocorre com o povo Palestiniano. http://aguarelast.blogspot.com/2008_02_01_archive.html
Só continuando a reflectir sobre a natureza da violência e da intolerância, poderemos lutar contra a sua propagação.
Só continuando a reflectir sobre a natureza da violência e da intolerância, poderemos lutar contra a sua propagação.
Pertinente o post . A sua leitura merece tempo, o que ficará para mais tarde e com calma.
ResponderEliminarPor ora apenas para te dizer que há algo lá no azul para ti, se quiseres, claro está.
Bj.
Um dos últimos trabalhos de Freud, já bastante doente, "O Mal Estar na Civilização", é absolutamente incontornável se quiseremos entender o lado mais sombrio da humanidade.
ResponderEliminarEstá traduzido. Aliás, todo o Freud está traduzido.
JR
Pois está!:)Uma óptima sugestão!
ResponderEliminarGrande texto. Lamentavelmente tem estado sempre actual desde que foi escrito.
ResponderEliminarbfs