sexta-feira, setembro 22, 2006

Ocioso e magnífico como uma tela de Gauguin

(Gauguin)


O Velho Fausto parecia um Domingo. Costumava vê-lo, manhã cedo, cruzar o passeio, pisando sem ruído as flores das acácias, muito aprumado no seu fato de linho branco, chapéu de palha, laço e bengala, e tão sem pressa, meu Deus!cumprimentando com acenos lentos(largos sorrisos) a turba ansiosa. Um dia alguém o provocou:
«Afinal, o que faz você nos dias úteis?»
Ele sorriu, ainda mais generoso, e o claro fulgor dos seus dentes perfeitos cegou o atrevido:
«Todos os meus dias são inúteis», respondeu com solene orgulho: «Eu os passeio.»
Durante muitos anos, devo confessar, quiz ser como ele.Hoje sei que pecava por excessiva ambição.Trabalhando intensamente qualquer pessoa é capaz de alcançar, no fim da vida, relativa prosperidade e a admiração dos outros. Um ladrão hábil pode ficar rico em dez ou quinze anos. A conquista do poder também impõe considerável esforço; isto, já para não falar em santidade ou heroicidade. A inutilidade, porém,
exige algo de mais difícil:talento.Nem todos podem ser inúteis, realmente inúteis, da mesma forma que poucos conseguem fazer chorar um violino. Também nem todos merecem ser inúteis.Fausto, sim, era inútil- e merecia-o. Foi, enquanto viveu, ocioso e magnífico como uma bela tela de Gauguin.

José Eduardo Agualusa (O homem que parecia um domingo. Contos e crónicas)

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