sexta-feira, junho 08, 2007

Renascer é preciso...

(Botticelli)

Quando a Humanidade se rende homenagem a Rembrandt, se comove face ao etéreo da luz de Caravaggio, se confunde no escrutínio entre o dogma e a ficção e, do mesmo passo, se exalta nos mistérios do Código Da Vinci, caberia perguntar o porquê deste súbito fascínio pelo Renascimento. Uma pergunta que dispensa o regresso às raízes, ao humanismo racionalista de Erasmo, ao fanatismo panfletário de Lutero, aos escritos de Stendahl e Michelet, regeneradores de uma visão culturalmente identitária do Renascimento.
Porque a resposta só reside em nós e nesse prosaico mundo que nos rodeia: renascer é o anseio em emergir da obscuridade, de superar uma incerteza envolvente, de ganhar asas no vislumbrar de uma outra faceta da realidade, como se o globo fosse, afinal, um imenso cubo espelhado cujas multiplicidades reflectem um número variável-talvez infinito- de possibilidades.
Não se trata de um apelo à fantasia: ao contrário, a apologia da verdade, intemporal enquanto valor ético, converte-se hoje, em imperativo urgente.
Pois é essa mesma verdade, no desdobrar das suas facetas, que em si própria inculca o desafio à ideia de renascer, de reinventar, de reorganizar, de estimular, enfim, na volúpia do exercício de criar, a prodigalidade dessa matriz cromossomática com que a natureza dotou o Homem.
Vivemos um tempo de sombras, de abismos assustadores, de clivagens civilizacionais, de cismas mitificados.
E surpreendentemente, o que nessa amálgama nos parece atrair é a mórbida apetência para nos confundirmos com as trevas, ébrios de pessimismo, reféns de invejas, prisioneiros de derrotas antecipadas.
Até que, saciados de estéril miserabilismo, compreendemos, enfim, que em cada um de nós há ainda uma parcela de dádiva que nunca exercitámos, um subsídio escondido para uma ideia regeneradora, uma vontade esquecida para uma afirmação solidária.
Quem sabe se esse hodierno fascínio pelo Renascimento é, afinal, o sintoma dessa emergência, o despontar de uma nova tomada de consciência...
E que, tal como no Renascimento, esteja iminente o tempo em que floresça uma nova vontade de acreditar, uma renascida aspiração de criar um legado merecedor das gerações futuras.
Será sonho?
Talvez...
Mas outro dia, ao barbear-me ao espelho- creio que em 19 de Abril- confidenciou-me um senhor, já de certa idade: quando se sonha, há que sonhar grande!

Mário Assis Ferreira (in Egoista, Junho 2006-nº 27)



Sem comentários:

Enviar um comentário

Não são permitidos comentários anónimos