sexta-feira, março 02, 2007

A tirania exerce-se no âmago do indivíduo...


(Bacon)

(...)
Em vez da piedade, o que o autor do Elogio da Sinceridade reforça é a ideia que os homens vivem em comum para conseguirem a confiança mútua, devendo, afirma, dar a verdade uns aos outros.Mas, em vez disso, que fazem eles? Vivem escravos da necessidade de disfarçarem os sentimentos. Por conseguinte, a tirania exerce-se no âmago do indivíduo, quer dizer, transforma cada um em émulo de Naarciso, iludindo a sinceridade enquanto virtude básica da vida em comunidade. É deste modo que nos tornamos complacentes e fazemos disso um sistema de vida. Neste engano generalizado, onde se assume a baixeza e o fingimento como virtudes, enganamo-nos e felicitamo-nos, sob o pretexto de que isso é que todos fazem. Ao dizer que o exercício da sinceridade exige uma reinvenção da amizade, Montesquieu propõe uma reinvenção da ética, como se a liberdade ve a verdade residissem inteiras na força da sinceridade. A existir um eco qualquer na nossa vida, que seja um abrir do coração, e não uma aborrecida e monótona repetição do nosso narcisismo.

(José Manuel Heleno- "Abrir o coração"-posfácio do "Elogio da Sinceridade"-Montesquieu-ed.Fenda)

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