(Manet)
O literato inveja o pintor, gostava de fazer esboços, tomar notas, e está perdido se o faz. Mas, quando escreve, não há um gesto das suas personagens, um tique, um tom de voz que não lhe tenha sido trazido à inspiração pela memória, não há um nome de uma personagem inventada por trás do qual ele não possa situar sessenta nomes de personagens que viu, uma das quais pousou para o trejeito, outra para o monóculo, esta para a cólera, aquela para o imponente movimento do braço, etc. E então o escritor verifica que, embora o seu sonho de ser pintor não seja realizável de um modo consciente e voluntário, a verdade, porém, é que se concretizou, e que também o escritor, sem o saber, fez o seu caderno de esboços. Porque movido pelo instinto que estava dentro de si,o escritor, muito antes de acreditar vir a sê-lo um dia, deixava regularmente de observar tantas coisas em que os outros reparam, o que fazia com que esses outros o acusassem de distracção e ele próprio se acusasse de não saber ouvir nem ver, e entretanto ordenava aos seus olhos e aos seus ouvidos que retivessem para sempre o que aos outros pareciam ninharias pueris- o tom de voz com que uma frase foi pronunciada, e a expressão de rosto e o movimento de ombros em certo momento de uma pessoa acerca da qual talvez não soubesse mais nada há muitos anos, e isto porque esse tom de voz já o ouvira ele, ou sentia que poderia tornar a ouvi-lo, que era algo repetível e duradouro; é o sentido do geral e poderá entrar na obra de arte.
Marcel Proust ( O Tempo reencontrado)
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