quarta-feira, janeiro 03, 2007

A Bruxa da Felicidade-À-Força...

(G.H.Harlow)



Dedicatória da primeira edição(1963):


Para os meus dois filhos:


Para ti Raul José, homem há muito- e homem autêntico-,que aprendeste à tua custa que a verdadeira coragem é a força do coração...

Para ti Alexandre,ainda criança,mas já com todas as tendências para não te tornares num desses falsos adultos que sujam o mundo e odeiam a Imaginação...

Para os meus dois filhos-o homem e a criança-este Divertimento escrito por quem sempre sonhou conservar a Criança bem viva no Homem.


XI

O João Medroso


A certa altura da Floresta Branca que, segundo os cálculos de João sem medo, devia bordejar o almejado Muro, rente a Chora-Que-Logo-Bebes, o nosso herói enxergou, sentada no pedregulho do carreiro uma menina debulhada em lágrimas.
- Bem...-sorriu com gozo patente.Cá temos a menina fatal em altos prantos no meio do caminho, como é uso nos países dos contos mágicos. Agora, para não trair a tradição, compete-me acercar-me da pequena e desenrolar o questionário da praxe:«Porque choras tu anjinho?»...etc.Ao que ela me retribuirá com a cantilena dos seus infortúnios...
«Pois bem:NÃO.Recuso-me a colaborar na farsa. Nasci em Chora-Que-Logo-Bebes, e as lágrimas não me fazem mossa. Chora, chora à vontade, minha rica.»
E num desdém empertigado, João Sem Medo marcou a dureza da indiferença com meia dúzia de passadas firmes.
Esta atitude fora do programa feriu visivelmente a menina que logo, por instinto de vingança esganiçou o choro em silvos afiados, mais de perrice do que de pesar.
-Hi-i-i-i-i-i-i-i...
-Pois sim, rala-te - monologava o rapaz...-Querias conversa, não? Porque choras tu, anjinho, hem?Espera por isso.
Mas quando já ia à distância de vinte metros e se julgava a salvo do calisto episódio sentimental, eis que a míuda, numa resolução expedita, deitou a correr até o filar.
-Seu descarado!-travou-lhe o braço, zangadíssima.- Então nem sequer investigas a razão da minha dor,hem?Sou para aqui uma boneca de farelos ou quê?
E instigou-o refilona:
-Vá imbecil!...Cumpre o teu dever e pergunta-me porque choro.Lembra-te de que vivo sózinha no mundo...Meu pai morreu.Minha mãe, entrevadinha das pernas, cose o dia inteiro para sustentar a família.E o meu irmão...
Neste passo(quantas vezes teria ela repetido este episódio?)saltaram-lhe lágrimas como continhas de água. E João Sem Medo, apesar dos propósitos de frieza deliberada, não resistiu ao enternecimento que pouco a pouco lhe aquecia o coração e apertava o nó de soluços na garganta:
-Que aconteceu ao teu mano?
-não sei...choramingou a menina a enchugar as lágrimas das faces.-Perdeu-se há dias na Floresta quando andávamos a colher amoras e framboesas fravas para o almoço...Talvez o devorassem os lobos. Ou pior ainda: talvez a Bruxa o arrebatasse...A Bruxa da Felicidade-à -Força.
-A Bruxa da Felicidade-à-Força? Que raio de nome! ...Porque desconfias dela? É horrível ,dizem.Ou melhor supõem pois até hoje ninguém viu se não as vítimas...(CONT)


José Gomes Ferreira (Aventuras de João Sem Medo)