sexta-feira, julho 28, 2006

Existe no Museu do Havre....

( Boudin)

Existe no Museu do Havre uma pequena tela de Boudin, um grupo de senhoras que caminham pela praia cintilante, um rasto confuso de tecidos e rostos femininos numa paisagem de ar cinzento e água cinzenta.La Promenade à Scheveningue. Será por causa da desinência docemente prolongada deste nome pronunciado à francesa(Scheveningen é um nome holandês como qualquer outro) que esta praia ficou para mim o arquétipo de todas as praias do Norte? Com a mesma idade, que não é ainda, de resto, aquela em que se tem recordações, no começo da era em que o automóvel tornava fáceis as deslocações, devem-me ter levado, algumas vezes, a molhar os pés nas poças de água de Ostende, ou ainda na praia de Furnes ou na de Boulogne. Mas nada ficou. Pelo contrário, de Scheveninguen, que muitas vezes revi, reencontro ao mesmo tempo as minhas recordações de ontem, de antes de ontem, e as que creio minhas de há três quartos de século. Nenhuma necessidade de mergulharmos em nostalgias inúteis: tudo o que pertence à estação balneária é horrível e já o era em 1900. Os blocos de apartamentos alugados ao mês ou à estação parecem mais numerosos do que noutros tempos, mas alguns são palacetes reconvertidos. Chalés hoje com aspecto marciano, ontem ainda com aspecto gótico, toda a fealdade que a pompa burguesa pode produzir, exibem-se entre a praia e a estrada. O enorme casino que já existia com a sua orquestra de metais, à alemã, e o excesso de comestíveis que o ar do mar, que como se sabe faz um buraco no estômago, era suposto tornar indispensável. Julho-Agosto: durante os dois meses das férias grandes, que são também os das declarações de guerra, ou das guerras que já se declararam,autocarros e roulottes, nos dias de hoje, comboioss nesse tempo, vomitam hordas à procura de bom tempo à beira-mar.

Marguerite Yourcenar( O quê? A Eternidade)

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