sexta-feira, setembro 17, 2010

Estamos ainda longe de praticar a democracia


Quando um ditador delirante tem condições para realizar socialmente o seu delírio, não vai para o manicómio, mas é a sociedade que se torna uma manicómio, às vezes quase imperceptivelmente. No caso português, o delírio do não-delírio, a aspiração violenta ao silêncio e à pequenez criaram uma sociedade aparentemente não-delirante- pelo contrário, a mais normal e moral que se podia imaginar. Quando este mecanismo se põe a funcionar é talvez possível justificar epistemologicamente a passagem do inconsciente individual para o plano colectivo ( não necessariamente para um «inconsciente colectivo» copiado do inconsciente individual).
Nestas condições, que aconteceu quando, no fim dos anos 70 e princípios dos anos 80, o português se esforçou por readquirir a subjectividade perdida? Lembremos que o equilíbrio do sistema salazarista das subjectividades e das condições de subjectivação formava uma sólida cobertura claustrofóbica que nem a guerra colonial conseguiu abalar)- ao mesmo tempo elemento de protecção do sistema. Foi, pois, muito natural que nesses anos de procura de subjectividade se tenha voltado a antigos moldes que forneciam segurança e paz interior. Mas a força desses padrões interiorizados  era tal que contaminou as novas condições de subjectivação: a democracia, a cidadania, a acção e expressão livres. Daí a nossa dificuldade actual em nos desviarmos de uma via única, a nossa tendência a não ver senão norma, a criar constantemente zonas sociais claustrofóbicas, a viver a democracia como, parodoxalmente, uma imensa cobertura-véu colectiva, com os seus agentes e mecanismos autoritários, desde os média ao tipo de governação, passando pelo medo da crítica e da liberdade. Estamos ainda longe de praticar a democracia.

( José Gil- Em busca da Identidade- o desnorte)


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