segunda-feira, julho 12, 2010

Comecei então a cantar uma canção feita...de luz e sombras...

                                        (Magritte)

Eu adormecia a pensar em Bartolomeu e acordava a pensar nele. Durante esses meses, a propósito, deixei de tomar comprimidos para dormir e voltei a sonhar. Descobri, sem surpresa, que partilhávamos sonhos. Sonhávamos com as mesmas coisas, nas mesmas noites, suponho que ao mesmo tempo, ainda que estivéssemos muito longe um do outro. às vezes ele começava um sonho, em Luanda, e eu terminava-o em Paris.Uma noite, por exemplo, sonhávamos ambos que um velho elefante corria ao longo do rio de águas barrentas. Na noite seguinte Bartolomeu sonhou que o animal se detinha exausto junto a uma grande árvore, com longos troncos quase horizontais, dos quais pendia  uma espécie de pequenos figos roxos. Deviam ser frutos muito doces porque os rodeavam persistentes enxames de minúsculas moscas pretas. Bartolomeu viu-me a voar das ramagens altas, com as minhas frágeis asas de tinta azul, e pousar no dorso do elefante. Comecei então a cantar uma canção feita inteiramente de luz e de sombras, ao invés de silêncios e de sons. Nas minhas canções- dizem alguns críticos, e eu concordo- são mais importantes os silêncios que os sons. Duas noites mais tarde, foi a minha vez de sonhar com o elefante. O velho paquiderme dormia, encostado à árvore. Dormiam também, rebrilhando sob a luz de um formidável sol de Dezembro, as águas ociosas do rio. Ouvia-se apenas, como uma toada gigante, o zumbido da pequenas moscas voltejando em redor dos figos. Então Bartolomeu surgiu de parte nenhuma, arrancou um dos figos e comeu-o.
(cont)
(José Eduardo Agualusa- Barroco Tropical)

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