(Édipo e a esfinge)
A
poesia é expressão de origens. Solicitado pela noite animal e a
plenitude solar, um poeta talhou na rocha uma forma visível da sua
condição. Compreender a Esfinge, compreender a poesia é olhá-la sem a
tentação de lhe perguntar nada. E aceitar o núcleo de silêncio donde
todas as formas se destacam. A obra vale pela densidade de silêncio que
nos impõe. Por isso os poetas que imaginam dizer tudo são tão vãos como
as estátuas gesticulantes.
Agora
é fácil compreender como pôde nascer o mistério da esfinge. O enigma da
poesia. Ele existe para homens incapazes de acolher esse silêncio
original. Gente que não compreende, enquanto não substitui a irredutível
figura de uma obra, a ímpar forma de um poema, por uma palavra, por um
discurso. Só o criador sabe que no lugar de uma forma não havia outra
forma e que o dicionário é impotente para os filólogos quanto mais para
os poetas. Mas há os outros, os arqueólogos do coração e da
inteligência, ‘outros’ que podem ser os próprios poetas quando deixam de
estar vigilantes. Assim aconteceu ao criador da Esfinge (daquilo a que
os ‘outros’ chamariam Esfinge).
É
humano sentir-se cansado ao fim duma obra. O nosso poeta cansou-se e
adormeceu entre as patas poderosas da sua criatura. Durante a noite o
vento do deserto (e todos os criadores serão conduzidos ao deserto em
certas horas, como o Cristo) arrastou a areia e cobriu com ela as raízes
da criatura e o seu criador».
In Eduardo Lourenço, Tempo e Poesia, Gradiva, Lisboa, 2003.
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