sábado, maio 15, 2010

o tempo guarda cápsulas indestrutíveis...

                              (Noronha da Costa)
eu respondi que o tempo não é linear. preparem-se os sofredores do mundo, o tempo não é linear. o tempo vicia-se em ciclos que obedecem a lógicas distintas e que se vão sucedendo uns aos outros repondo o sofredor, e qualquer outro indivíduo, novamente num certo ponto de partida. é fácil de entender, quando queremos que o tempo nos faça fugir alguma coisa, de um acontecimento, inicialmente contamos os dias, às vezes até as horas, e depois chegam as semanas triunfais e os largos meses e depois os didácticos anos. mas para chegarmos aí temos de sentir o tempo também de outro modo. perdemos alguém, e temos de superar o primeiro inverno a sós, e a primeira primavera e depois o primeiro verão, e o primeiro outono. e dentro disso, é preciso que superemos os nossos aniversários, tudo quanto dá direito a parabéns a você, as datas da relação, o natal, a mudança dos anos, até a época dos morangos, o magusto, as chuvas molha tolos, o primeiro passo de um neto, o regresso de um satélite à terra, a queda de mais um avião, as notícias sobre o brasil, enfim, tudo. e também é preciso superar a primeira saída de carro a sós, o primeiro telefonema que não pode ser feito para aquela pessoa. a primeira viagem que fizemos sem a sua companhia. os lençóis que mudamos pela primeira vez, as janelas qu abrimos. a sopa que preparamos para comermos, um livro que se lê no absoluto silêncio, o tempo guarda cápsulas indestrutíveis porque, por mais dias que se sucedam, sempre chegamos a um ponto onde voltamos atrás, a um início qualquer, para fazer pela primeira vez alguma coisa que nos vai dilacerar impiedosamene porque nessa cápsula se injecta também a nitidez do quanto amávamos quem perdemos, a nitidez do seu rosto, que por vezes se perde mas resurge sempre nessas alturas, até o timbre da sua voz, chamando o nosso nome ou, mais cruel ainda, dizendo que nos ama com um riso incrível pelo qual nos havíamos justificado em mil ocasiões do mundo.

(valter hugo mãe- a máquina de fazer espanhóis)

2 comentários:

  1. Este é o livro que tenho estado a ler nos últimos dias.
    É também o meu primeiro de Valter Hugo Mãe.
    O que já li tem confirmado tudo o que de bom me tinham dito da sua escrita.

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  2. Dele só li ainda "O Apocalipse dos Trabalhadores" e gostei.
    Mas este pedacinho aguçou-me o "apetite"...


    Abraço

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